O corpo humano é formado por cabeça, tronco e membros, e o primeiro desses componentes é em geral o mais útil para a formulação e a execução de políticas públicas. Mas a presidente Dilma Rousseff, talvez por modéstia ou parcimônia, prometeu apenas “lutar com unhas e dentes” para manter uma expectativa positiva em relação à economia. Só se poderia tomar como implícita a referência à cabeça – e ao cérebro, portanto – se o histórico de sua administração fosse menos desastroso. A declaração foi feita numa reunião com a imprensa, na quinta-feira, e ela de fato usou o verbo “manter”. Foi uma escolha estranha, porque a expectativa é muito ruim, como em 2015 e também na maior parte do ano anterior. Além de unhas e dentes, ela indicou também a CPMF como ferramenta indispensável para a política econômica nos próximos meses. Todo o governo, disse também a presidente, está empenhado em garantir um 2016 melhor que o ano anterior. Faltou explicar mais claramente como esse governo, sob seu comando, poderá produzir algo melhor que o estrago dos últimos cinco anos.
A inflação de 10,67% no ano passado, a maior depois de 2002, foi consequência de uma longa acumulação de erros. Boa parte dessa taxa é explicável pela correção dos preços administrados, contidos politicamente por muito tempo. Esses preços aumentaram em média 18,06% em 2015. O ajuste mais espetacular foi o das contas de eletricidade, com alta de 51%. A decisão populista de conter esses e outros preços, como os da gasolina e do gás, impôs grandes perdas à Petrobrás, a empresas do setor elétrico e ao próprio Tesouro. O conserto seria inevitável e doloroso.
Mas a inflação é explicável também por outros erros e abusos. O governo gastou demais, concedeu benefícios fiscais e financeiros de forma tão imprudente quanto ineficaz, criou insegurança entre empresários e investidores, prejudicou a imagem do País e contribuiu para a instabilidade cambial. Apesar da intervenção do Banco Central no mercado, o dólar subiu cerca de 50% em um ano, pressionando os preços internos. Mas a maior e mais constante demonstração de irresponsabilidade e imprevidência foi mesmo a gestão desastrosa das contas públicas, principal combustível da inflação brasileira. A contabilidade criativa, desenvolvida no Ministério da Fazenda e principalmente na Secretaria do Tesouro, nesse período, tornou-se conhecida também no exterior. Poderá servir de exemplo, assim como as pedaladas, em qualquer exposição sobre como destruir um orçamento.
Mas o virtuosismo do governo consistiu principalmente em combinar a disparada dos preços com a mais prolongada e mais desastrosa recessão da economia brasileira. A produção industrial, estagnada entre 2011 e 2014, encolheu 7,7% nos 12 meses terminados em novembro de 2015. Os novos dados da indústria foram também divulgados no começo do ano. Em novembro, a indústria geral produziu 12,4% menos do que um ano antes, segundo os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Agora o governo promete uma retomada do crescimento até o fim do ano. Mas quanto a economia poderá crescer, nos próximos anos, de forma sustentável? Não muito, porque o potencial produtivo do País diminuiu nos últimos anos.
Não só para aumentar, mas também para manter esse potencial, os brasileiros deveriam ter investido muito mais em bens de capital, isto é, em máquinas e equipamentos, e em obras de infraestrutura. Nos 12 meses até novembro a indústria de bens de capital produziu 24,1% menos que nos 12 meses anteriores. Na comparação de novembro de 2015 com novembro de 2014 a queda chega a 31,2%. Mais atualizados, os números do comércio exterior mostram uma queda de 20,2% no valor da importação de bens de capital em todo o ano passado.
Diminuíram, portanto, ao mesmo tempo as compras de bens de capital tanto nacionais quanto estrangeiros. O investimento privado começou a ratear bem antes de 2015. A indústria de máquinas e equipamentos andou mal durante todo o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, embora o governo tenha mantido até este ano o Programa de Sustentação de Investimento (PSI).
Lançado em 2009, quando o País começava a sair da recessão, esse programa durou muito mais que o previsto inicialmente. Foi financiado com recursos transferidos pelo Tesouro para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Envolveu subsídios importantes, mas produziu resultados abaixo de pífios, até porque a maior parte do dinheiro foi destinada a empresas grandes e mais capazes de se financiar por outros meios. O foco das políticas nunca foi o melhor atributo dos governos petistas.
Quanto ao investimento público, é um caso bem conhecido de fiasco, explicável quase exclusivamente pela incompetência do governo, porque o dinheiro previsto em cada ano jamais foi totalmente aplicado. Resultado: taxa de investimento em torno de 20% do produto interno bruto (PIB) durante alguns anos e bem abaixo disso no fim do primeiro e no começo do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Sem capital físico e sem produtividade o crescimento só pode ocorrer por milagre. Se milagre for uma questão de merecimento, haverá uma fila enorme na frente do Brasil.
No segundo semestre de 2015, duas agências de classificação rebaixaram o crédito do Brasil ao grau especulativo. Nas duas ocasiões, a presidente, seguindo a opinião do ministro Nelson Barbosa, havia cometido tolices na política orçamentária. Agora ela promete um esforço para diminuir o desajuste das contas públicas e estimular o investimento. A principal novidade no governo, hoje, é o ministro Barbosa na Fazenda. O mesmo governo poderá fazer algo mais sério? São Paulo, segundo se conta, converteu-se depois de cair do cavalo. A presidente anda de bicicleta. Na falta de cavalo, bicicleta serve?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/01/2016
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