É salutar que o governo esteja pensando em levar ao Legislativo projeto de lei relativo à compra de terras por estrangeiros, pois o País não pode conviver com pareceres distintos da Advocacia-Geral da União que alteram o que se entende por empresa nacional de capital estrangeiro: ora é equiparada à empresa nacionais de capital brasileiro, como na legislação anterior, ora é objeto de tratamento diferente. A insegurança jurídica torna-se, assim, a regra, travando o investimento dessas empresas e, certamente, prejudicando o desenvolvimento nacional.
O capital estrangeiro tem contribuído, e muito, para o crescimento do País, não apenas no setor rural, mas também no industrial e no de serviços. É notório que o Brasil carece desses capitais e seu investimento produtivo tem sido decisivo nos últimos anos. Mas agora empresas que estavam em pleno processo de investimento nele põem freio, pois não mais sabem o que pode acontecer. De repente, devem dar uma marcha à ré, no aguardo de maior esclarecimento do que podem ou não fazer. Projetos ficam inconclusos, prejudicando, na verdade, todos nós.
Nesse contexto, a elaboração e a aprovação de uma lei que estabeleça parâmetros claros podem ser uma contribuição decisiva a esse processo. Essa é, ressaltemos, a própria função da Câmara e do Senado.
No imediato, porém, devemos ter claro que o Brasil de hoje – e o mundo – é globalizado, não cabendo nenhum preconceito contra o capital estrangeiro, em defesa de um nacionalismo estreito, que produziu efeitos tão nocivos no passado. Eis a nova realidade. A discussão a respeito deve ser técnica, não ideológica, voltada para o enfrentamento de alguns problemas reais. O País, frise-se, necessita de capitais e tecnologia estrangeiros.
Nesse sentido, a soberania nacional não pode ser confundida com uma defesa do capital nacional como se houvesse oposição irredutível ao capital externo, pois o que importa, de empresas nacionais ou internacionais, é que as leis sejam cumpridas. Aqui vale a soberania das leis. Se uma empresa nacional de capital estrangeiro cumpre as leis do País, só deve ser bem-vinda e, mesmo, apoiada.
É bem verdade que nos últimos anos a opinião pública nacional e internacional veio a perceber os recursos do planeta e dos países como finitos. Mesmo que se possa questionar se essa percepção da finitude corresponde ou não à realidade, o fato é que ela, hoje, é predominante e os governantes devem certamente levá-la em consideração. Surgem, a partir dela, formas de defesa de interesses nacionais que devem ser levados em conta.
Vejamos alguns pontos que, em nosso entender, deveriam (ou não) ser contemplados nesse novo projeto de lei:
O País carece de um sistema de informações confiável sobre sua base fundiária, principalmente, no caso, no que diz respeito à propriedade de terras por estrangeiros. Trata-se de uma base cadastral que ofereça transparência a essas propriedades, sem nenhum preconceito, por exemplo, contra empresas brasileiras de capital estrangeiro. Isso vale para minérios, silvicultura, agricultura e pecuária. A regra aqui é a transparência, a predominância do público.
Os investimentos estrangeiros devem ser distinguidos entre interesses propriamente produtivos e interesses especulativos, apostando estes últimos apenas no preço das terras, sem nenhuma preocupação quanto ao seu uso. Uns devem ser incentivados, os outros, restringidos.
Empresas brasileiras de capital estrangeiro devem ser distinguidas de empresas estrangeiras de propriedade estatal, pois, neste caso, elas tendem a fazer o jogo dos interesses de seus países de origem, investindo de acordo com os interesses de outros Estados. Aqui poderia surgir um problema de soberania nacional.
Talvez se deva igualmente pensar num tratamento diferenciado para empresas dos países do Mercosul e, de modo mais geral, da América do Sul, favorecendo a integração do continente, dada a natural liderança do País, por sua extensão territorial e sua pujança. Se o País aspira a uma grande cooperação sul-americana, mecanismos devem ser criados de favorecimento aos investimentos empresariais, sem distinção da origem dos capitais.
Deve ser descartada a ideia, como teria sido cogitado, de o Estado brasileiro ter uma golden share, uma participação acionária nessas empresas com direito a veto, pois tal mecanismo seria uma ingerência governamental no funcionamento delas, podendo ditar seus rumos. O Estado invadiria esse setor privado, burocratizando suas decisões. Imaginem o tipo de negociação que poderia ter lugar.
Poderia ser estabelecido o princípio da reciprocidade, aliás, vigente nas relações internacionais. O Brasil daria a empresas estrangeiras o mesmo tratamento que as empresas brasileiras recebem nos países onde investem. Por exemplo, um país que imponha restrições ao investimento estrangeiro receberia o mesmo tratamento aqui, não podendo ter a expectativa de tratamento diferente. Exceções seriam tratadas como tais, em função do interesse nacional.
A proposta de criação de um Conselho Nacional de Terras (Conater), que estaria sendo cogitado pelo governo. Seria o órgão encarregado de implementar essa política, segundo critérios claros, técnicos, sem nenhuma conotação ideológica contra o capital estrangeiro. É fundamental, por exemplo, que vários Ministérios nele estejam representados, como Casa Civil, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Defesa, Planejamento, Desenvolvimento econômico e Justiça. Agilidade e rapidez são fundamentais, pois uma empresa não pode ficar esperando indefinidamente uma resposta, o que pode ser um sério entrave para o desenvolvimento nacional.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/07/2011
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