Na semana passada, o Ministro Guido Mantega, sua mulher Eliane Mantega e mais um grupo de amigos foram feitos reféns na chácara de um empresário em Ibiúna. O episódio, que tinha todos os ingredientes para se transformar em nova tragédia, no entanto, tornou-se exemplo de como as campanhas contra a violência estão se refletindo na sociedade. Os bandidos responsáveis por assaltar o grupo e mantê-lo em cárcere privado demonstraram sinais de cidadania e solidariedade durante o roubo. A gentileza dos criminosos levou até uma das vítimas, a mulher do ministro, a elogiá-los. Segundo ela, “os ladrões de galinha”, que roubaram R$ 20 mil do dono da casa, foram “supergentis”.
Pesa a favor do grupo de meliantes, também, o fato de saberem reconhecer o velho conflito de classes entre burguesia e proletariado. Afinal, de acordo com Eliane, os bandidos fizeram uma triagem social antes do assalto (ou seria mera expropriação proletária?). Separaram os empregados dos hóspedes da casa antes de iniciarem o roubo. E fizeram questão de explicar o que movia ato tão magnânimo e dizendo que não “roubariam pessoas pobres como eles próprios”. Tudo não passou de uma distribuição forçada de renda. Só faltou dizer que agiam em nome da Receita Federal.
Eliane declarou à imprensa, ainda, que o episódio “não foi nada grave, foi essa coisa de violência, que é geral”. Se o fato de algo ocorrer de maneira generalizada for pré-requisito para não ser considerado grave, ou importante, há que se reconhecer que a violência que assola o Brasil, há algumas décadas, não tem, realmente, nada demais. E as milhares de famílias que, anualmente, choram seus mortos tem de entender que a violência que vitimou os seus parentes é, na verdade, uma banalidade. Para encerrar a narrativa, Eliane, psicóloga que é, fez questão de ir fundo nas causas da banalidade da qual foi vítima: “o que é preciso é que o Brasil melhore a polícia e a economia, para diminuir a pobreza e a violência”.
O mito do Robin Hood social, o bandido revolucionário, não é novidade para a intelligentsia nacional. O falecido artista plástico Hélio Oiticica homenageou, já na década de 1960, um conhecido ladrão e traficante que carregava a alcunha de Cara-de-cavalo. O marginal fora assassinado pela polícia e, rapidamente, passou de famoso protagonista de reportagens policiais a vítima da sociedade. Na obra BÓLIDE CAIXA 18, poema caixa 2 – Homenagem à Cara de Cavalo (1966), Oiticica colou uma foto do homenageado, na qual aparece morto de braços abertos, como que crucificado, em um quadro, e abaixo escreveu a seguinte frase: Seja marginal Seja Herói.
A imobilidade da sociedade brasileira ante a atual escalada de violência é compreensível quando se percebe o quão difícil é mudar uma cultura baseada na impunidade e na crença de que a pobreza origina e, ao mesmo tempo, justifica a marginalidade. As décadas de discursos destinados a vitimizar bandidos, somadas à inoperância do poder público nacional, resultaram em um quadro social no qual impera o relativismo, e ninguém consegue mais distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado – se é que estes conceitos ainda existem. O mínimo que se espera de uma figura tão importante quanto um ministro de Estado que sofra um assalto é que ele apresente queixa na delegacia.Ao menos para demonstrar confiança na polícia e na justiça do país que representa. Nem isso foi feito.
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