Esta não é a primeira vez que o assunto é mencionado neste espaço. No entanto, diante da insistência do governo em adotar, em pleno século 21, um sistema de controle fiscal que já era antigo no tempo da Alfândega Régia de Dom João VI, não custa voltar a ele.
A partir do próximo dia 1º de janeiro, toda e qualquer garrafa de vinho vendida no Brasil terá que trazer afixado um selo da Receita Federal.
A justificativa para a adoção do adereço anacrônico é conter a evasão de impostos nesse mercado que está em franca expansão. Quem quiser acreditar que acredite.
Mas não é esse o real motivo. O que está acontecendo, na prática, é que as grandes vinícolas brasileiras conseguiram do governo uma mãozinha para melhorar, de forma artificial e protecionista, a competitividade de seus produtos.
O vinho brasileiro tem uma relação de custo e qualidade muito inferior à do produto engarrafado em países como Argentina, Chile e, sobretudo, os produtores tradicionais da Europa. E os consumidores? Bem, os consumidores que se danem.
Essa discussão já vem se arrastando há algum tempo – e é muito difícil encontrar quem a defenda. Os importadores são contra: a afixação do selo nas garrafas que passam pela alfândega significa um custo adicional que, por si só, já prejudica a competitividade.
As caixas terão que ser reabertas, as garrafas seladas e, só depois de reembaladas, seguirão para o comércio. Os supermercados são contra. Os estoques adquiridos antes da lei terão que receber o selo.
Com um detalhe: ninguém pode ir à Receita, adquirir os selos e afixar nas próprias garrafas. Esse trabalho tem que ser feito sob supervisão da autoridade fiscal.
O comércio especializado também é contra: uma garrafa do francês Château Lafite Rothschild 1986 ou do português Barca Velha 1991 que esteja na adega de um restaurante ou numa loja do ramo à espera de freguês não poderão ser vendidos. A menos que o proprietário, que já pagou os impostos sobre o produto, queira assumir o risco de cometer um crime fiscal.
Os pequenos produtores brasileiros, até eles, são contra. Afinal, o selo representa um custo a mais sobre uma mercadoria que, sob qualquer ângulo que se observe, é uma das mais taxadas do Brasil.
Como já tive a oportunidade de dizer em outra ocasião, do conteúdo de 750 ml de uma garrafa de vinho, mais de meio litro vai para o pagamento dos tributos. E os 250 ml restantes remuneram o importador, o comerciante, o vendedor, o dono do restaurante, o sommelier, o garçom e daí por diante.
Não será com expedientes como esse que os grandes produtores conseguirão melhorar a reputação da bebida nacional. Nos últimos anos, a produção brasileira de vinhos brancos e espumantes evoluiu muito – e as garrafas dessas bebidas, se não nos enchem de orgulho, também não envergonham a honra nacional.
Com os tintos, é diferente. Pelas características do solo e por razões climáticas, será muito difícil produzir em nossas terras uvas capazes de gerar tintos de qualidade média superior.
Os produtores podem até discordar – mas, se fossem capazes de engarrafar uma bebida que não fizesse feio diante dos estrangeiros de qualidade média, não precisariam da proteção do selo, não é mesmo?
Fonte: Brasil Econômico, 15/12/2011
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