A falta de entendimento entre (acordo pelo qual a empresa adquiriu o direito de explorar até cinco bilhões de barris de petróleo da camada do pré-sal) e a suspensão pela Justiça da medida provisória (MP) que autoriza a criaram incertezas sobre as receitas do governo em 2018. Tanto cessão onerosa quanto Eletrobras são consideradas cruciais pela equipe econômica para ajudar a reequilibrar as contas públicas, mas ambas correm o risco de não se concretizarem este ano. Juntas, elas podem render aos cofres públicos até R$ 92,5 bilhões.
O acordo com a Petrobras abre espaço para a realização de novos leilões de petróleo avaliados em US$ 25 bilhões (R$ 80,5 bilhões). Neste caso, no entanto, o governo foi conservador e não chegou a incluir nenhuma previsão de receita decorrente de um eventual acordo sobre a cessão onerosa no Orçamento de 2018, embora conte com isso informalmente. Além disso, os leilões podem ser efetuados em anos diferentes. Já a Eletrobras está na proposta orçamentária, com R$ 12 bilhões.
PETROLÍFERA QUER SER RESSARCIDA
Integrantes da equipe econômica já avaliam que o governo não conseguirá chegar a um acordo com a Petrobras em 2018. As negociações em torno do assunto não caminharam, e o presidente da estatal, Pedro Parente, chegou a dizer em reunião recente no Palácio do Planalto que não assinará qualquer acordo em que a Petrobras não saia credora no processo.
Segundo interlocutores do governo, na reunião do Planalto, à qual estavam presentes o presidente Michel Temer, Pedro Parente e os ministros Dyogo Oliveira (Planejamento), Fernando Coelho Filho (Minas e Energia) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), foi sugerido que, na revisão da cessão onerosa, a conta ficasse no zero a zero, ou seja, que não houvesse ressarcimento nem do Tesouro à Petrobras nem da estatal à União.
Parente, então, teria “se estressado”, nas palavras de um participante do encontro, e dito que essa proposta é inaceitável. Em 2010, o governo cedeu cinco bilhões de barris de petróleo à Petrobras sob o sistema de cessão onerosa, no qual a estatal pagou antecipadamente pela reserva e, após declarar o projeto comercialmente viável, passou a discutir o real valor do reservatório.
A Petrobras avalia que tem direito a ser ressarcida porque, quando fechou acordo para avaliar, explorar e produzir petróleo no pré-sal em campos da Bacia de Santos, a cotação do produto estava muito mais alta. Como os preços caíram desde então, a União deveria devolver parte do valor pago pela estatal, de R$ 74,8 bilhões. Na época, o cálculo usou como premissa um preço de US$ 8,51 por barril. Como o preço do petróleo despencou no mercado internacional, estima-se agora que esse barril no pré-sal tenha valor médio de US$ 5.
No entanto, o problema, segundo técnicos da área econômica, é que o contrato da cessão onerosa dá margem a interpretações diferentes sobre a aplicação dos critérios para sua revisão. Isso acaba resultando em uma diferença nos valores do ressarcimento, e até mesmo sobre quem tem direito a ser compensado. Em alguns cenários, a União é que teria de ser ressarcida pela Petrobras.
Por exemplo, a equipe econômica defende que, na revisão do contrato, o início da produção do petróleo deve ser contado individualmente para cada campo. Já a Petrobras defende que o início seja considerado a partir do último campo. Somente esse critério já afeta os números finais. União e Petrobras contrataram consultorias especializadas para analisar o caso. Foram traçados sete cenários, sendo que em apenas dois deles a União seria credora. Segundo técnicos da área econômica, o ressarcimento à Petrobras poderia chegar a US$ 20 bilhões.
Considerando-se que a União não tem como pagar esses valores — esse desembolso resultaria em uma despesa primária, com impacto nas contas públicas —, a estatal já indicou que aceita receber o pagamento em óleo excedente extraído dos campos da cessão onerosa. Essa forma de ressarcimento depende ainda da aprovação de um projeto de lei no Congresso. Isso, segundo técnicos, também piora o cenário para a solução do problema ainda este ano.
CÁLCULOS SOBRE VOLUME DE ÓLEO DIVERGEM
A cessão onerosa foi a parte mais importante do processo de megacapitalização da Petrobras, para preparar a empresa para os investimentos bilionários nas áreas descobertas na região marítima do pré-sal. A União entregou à estatal o direito de exploração e produção de cinco bilhões de barris de óleo equivalente, em uma área que tem uma reserva de petróleo muito superior a esse volume. O governo pretende licitar esse excedente para reforçar os cofres públicos.
Sem uma solução para a revisão do contrato da cessão onerosa, no entanto, a União não consegue negociar esse excedente. A ideia, quando as conversas com a Petrobras começaram, em 2017, era colocar em leilão esse óleo restante ainda este ano, junto com a 4ª Rodada de licitações do pré-sal, marcada para junho. Esse era considerado, até agora, um dos principais eventos da indústria de petróleo em 2018.
Com o impasse sobre a revisão do contrato, as áreas não foram incluídas nos leilões. Por já saber dessa demora, o governo não colocou no Orçamento de 2018 a previsão de receitas com o leilão do excedente. No entanto, a equipe econômica prevê que terá dificuldade para fechar as contas públicas não apenas este ano, mas também nos próximos.
Petrobras e governo não se entendem nem sobre qual seria o volume excedente. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) estima pelo menos 6 bilhões de barris de petróleo. O cálculo foi feito pela consultoria Gaffney, Cline & Associates e estima três cenários. A maior probabilidade (90%) é a de 6 bilhões de barris. Há uma chance de 10% de haver cerca 15 bilhões de barris. O terceiro cenário, com probabilidade de 50%, é o mais aceito pelo mercado: 10 bilhões de barris. Já a Petrobras fez seus próprios cálculos “menores que aqueles divulgados pela ANP”.
ACORDO FOI FIRMADO EM 2010
A cessão onerosa é um contrato em que a União cedeu à Petrobras o direito de explorar e produzir cinco bilhões de barris de óleo equivalente (petróleo e gás natural) em seis blocos do pré-sal da Bacia de Santos, em 2010. A Petrobras pagou R$ 75 bilhões naquele ano por este direito. A medida foi parte do processo de capitalização da companhia, no qual a Petrobras levantou recursos para fazer frente aos investimentos previstos para o desenvolvimento dos campos do pré-sal. A complexa engenharia financeira realizada no governo Lula tinha o objetivo de permitir que a empresa levantasse recursos e que a União não tivesse sua participação na estatal diluída.
Posteriormente, foi descoberto que a área dos seis blocos tinha reservas superiores a seis bilhões de barris, o que foi chamado de “excedente da cessão onerosa”. Cálculos atualizados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) indicam que esse excedente pode conter de seis bilhões a 15 bilhões de barris em reservas.
Ao ceder os cinco bilhões de barris à Petrobras, foi fixado um preço de US$ 8,51 por barril, considerando o preço de reserva (sem custo de exploração). O contrato previa que o valor seria revisto quando os campos já contassem com a declaração de comercialidade, ou seja, quando houvesse mais segurança a respeito do volume de petróleo nas áreas. Isso ocorreu em 2014. A partir daí, começaram as negociações entre Petrobras e União.
A estatal tem uma avaliação técnica dizendo que tem recursos a receber nesse acerto de contas em razão da queda das cotações do preço do petróleo a partir de 2015. Até pouco tempo, havia um consenso de que a Petrobras teria direito a ressarcimento, e uma das alternativas era que a empresa recebesse mais petróleo.
As duas partes contrataram certificadoras internacionais independentes, que realizaram estudos sobre os volumes e valores das reservas na área. A Petrobras contratou a DeGolyer and McNaughton, e a ANP, a Gaffney, Cline & Associates.
Fonte: “O Globo”
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