No seu último Panorama Econômico Global, o FMI faz uma proposta até certo ponto surpreendente para acelerar o crescimento global: em países com desemprego e hiato do produto elevados, os governos deveriam se endividar para financiar novos projetos de infraestrutura. Ao assim proceder, argumenta o Fundo, os governos poderiam não apenas tirar suas economias do marasmo atual, como melhorar as contas públicas. Ou seja, é um almoço grátis: resulta em mais infraestrutura, mais crescimento e uma dívida ainda menor. Será mesmo assim tão fácil?
O raciocínio do FMI é simples. De um lado, o custo de financiamento público está em patamares muito baixos, para padrões históricos, na maioria dos países, especialmente os desenvolvidos. Por exemplo, a taxa de juros real em um título de 30 anos do governo americano está em torno de 1% ao ano. Por outro lado, quase todos os países se ressentem de uma taxa insuficiente de investimento em infraestrutura, de forma que a taxa real de retorno de projetos nessa área é muito mais alta; digamos, de 8% ou 10% ao ano.
Assim, desde que consiga monetizar uma parcela razoável do retorno do empreendimento, o governo que seguir a recomendação do FMI não só será capaz de pagar a dívida contraída, como até obter um lucro líquido. Além disso, estará estimulando o crescimento a curto e médio prazos, pela alta do investimento e da capacidade produtiva. Outros ganhos fiscais virão do maior nível de atividade.
Assim colocado, parece um negócio da China. Porém, no mundo real esse caminho pode ser bem menos interessante, especialmente para as economias emergentes. O caso brasileiro é um bom exemplo disso.
Primeiro, porque o custo de financiamento público nos emergentes é bem mais alto que nos EUA: no Brasil, a taxa real de 30 anos está em 6% ao ano. Segundo, porque nossa economia, como a de alguns outros emergentes, está trabalhando mais próxima ao seu potencial do que os EUA, a Europa e o Japão. Em especial, temos o patamar mais baixo de desemprego dos últimos 12 anos. Nesse caso, faz mais sentido cortar despesas correntes para abrir espaço para um aumento não inflacionário do investimento público. De outra forma, o estímulo fiscal teria como contrapartida um aperto monetário, mais complicando do que ajudando a situação fiscal.
Mas o motivo mais importante pelo qual essa não é provavelmente uma boa ideia no Brasil é porque, apesar de todas nossas carências de infraestrutura, o retorno real dos investimentos públicos nessa área não é alto.
O próprio FMI alerta para esse problema: como o investimento público nas economias em desenvolvimento é muito ineficiente, o dinheiro gasto nessa área reverte em expansão relativamente modesta do estoque de capital, que é de onde se extrairá o retorno para pagar a dívida. Além disso, muitos dos investimentos públicos em infraestrutura resultam em projetos cujo retorno é difícil de monetizar em proporção significativa, como estradas, ferrovias e obras de saneamento, por exemplo.
A baixa eficiência do investimento público em infraestrutura se revela nos grandes atrasos e estouros de orçamento. Basta ver que dois em cada três projetos de transportes do PAC registram atrasos de mais de dois anos. De 138 obras de saneamento acompanhadas pelo Instituto Trata Brasil em 2012, apenas 28 tinham andamento normal, contra 18 não iniciadas no prazo, 25 atrasadas, e 47 paralisadas. Dados da Aneel revelam atraso em 40% dos 18 mil km de linhas de transmissão concessionadas a partir de 2006, com atraso médio de 12 meses.
Esses atrasos geram custos ocultos tão ou mais importantes do que os que aparecem nos orçamentos revistos: enquanto eles duram, o governo está pagando juros sobre a dívida tomada para financiar o projeto, sem que ele gere receitas. Quanto mais o projeto atrasar, maior o prejuízo.
Tome-se o exemplo da transposição do São Francisco. As obras foram iniciadas em 2005 e em 2007 passaram a integrar o PAC, com orçamento original de R$ 4,2 bilhões e previsão de inauguração do primeiro eixo em junho de 2010, e do segundo ao final de 2012. Mas em abril passado um pouco menos de 60% das obras haviam sido executadas e a previsão de entrega fora adiada para dezembro de 2015, com um orçamento revisto para R$ 8,2 bilhões.
Ocorre que, ao longo desse período, bilhões de reais foram enterrados no projeto e estão lá, se depreciando e sem render nada, enquanto o governo paga juros sobre o empréstimo que tomou para financiar as obras. Basta ver que, trazidos a valor presente usando a Selic, os gastos do governo já somam R$ 8,1 bilhões, para executar 60% das obras, contra um orçamento original, atualizado para a inflação, de R$ 6,8 bilhões – ou seja, o dobro do originalmente previsto (8,1/(6,8*0,6) = 2,0).
Não resta dúvida que o Brasil precisa investir muito mais em infraestrutura. É menos óbvio, porém, em que grau compensa elevar a dívida pública para financiar esse gasto, sem antes melhorar a estruturação, a gestão e a execução de projetos nessa área.
Fonte: Valor Econômico, 07/11/2014.
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