Depois dos vários advogados que desfilaram em frente aos ministros do Supremo nesses primeiros dias de atuação da defesa, fica cada vez mais claro que é difícil tanto negar quanto minimizar o esquema de corrupção organizado pelo PT, transformando-o em simples caixa dois de campanha eleitoral.
A cada relato montado para descaracterizar a prática de crimes de seus representados, os advogados vão criando cenários tão fictícios que se torna quase impossível acreditar nesse desfile de homens e mulheres impolutos, políticos interessados apenas no bem público, heróis da resistência democrática sonhando com um Brasil melhor, empresários seríssimos, por uma razão insondável envolvidos em uma trama palaciana que simplesmente não existiu.
Os personagens descritos pelos advogados não combinam com encontros secretos em quartos de hotel, carros-fortes cruzando Brasília com dinheiro de fonte ilícita,saques na boca do caixa a mando de um empresário, Marcos Valério, que dava as cartas na política nacional sem ser dirigente partidário, membro do governo ou político eleito.
Publicitário já famoso e premiado, segundo seu advogado, Valério ganhou as licitações do governo por mérito próprio. Difícil acreditar quando sabemos que ele, nem tão respeitado assim no meio, se especializou em desviar dinheiro público para financiar campanhas políticas, e que fazia negociatas dentro do governo que nada tinham a ver com sua função.
Não é razoável, convenhamos, que todo esse esquema tenha sido montado por um homem de fora do sistema de comando petista e um tesoureiro que não tinha o menor poder político.
O grande problema da história contada pela defesa é que se José Dirceu não tinha nada a ver com o esquema de financiamento da base aliada, a linha de comando sobe para Lula, o então Presidente da República, como alguns ministros já comentaram reservadamente.
O que possibilitou a não inclusão de Lula no processo foi haver a figura do autor, aquele que tem o domínio final do fato, na pele do superministro de então, José Dirceu.
Sua onipresença na articulação da política governista, que ele mesmo alardeava para respaldar a ação no Gabinete Civil, é o que torna factível a narrativa do Procurador-Geral da República e fragiliza a imagem menor que dele quis fazer sua defesa.
O advogado de Dirceu, que fez a defesa possível com bastante competência, tentou reduzir sua importância em relação ao PT, o que é impensável quando se sabe que, mesmo depois de ter saído do governo e cassado pelo Congresso, continuou a dar as cartas no partido, como continua até hoje.
De outro lado, nos núcleos operacional e financeiro, temos apenas funcionárias “mequetrefes”, sócios que nada sabiam do que se passava em suas empresas, uma banqueira que queria ser bailarina e foi “obrigada” por seu pai a assumir funções burocráticas no banco para as quais não tinha nenhum pendor, um diretor da área de “compliance” que não entende nada de finanças. E um morto,responsabilizado por todas as operações que porventura considerarem ilegítimas.
A insistência com que os defensores políticos dos mensaleiros falam no mensalão do PSDB de Minas, exigindo o julgamento de seus responsáveis para que seja feita justiça imparcial, coloca-os num paradoxo de difícil superação.
Como os casos são idênticos, organizados pelo mesmo operador, o lobista mineiro Marcos Valério, o que acontecer no julgamento do mensalão petista terá repercussão evidente no outro julgamento.
Portanto,se os mensaleiros, por hipótese, forem absolvidos agora pelo Supremo Tribunal Federal, também os tucanos terão, provavelmente, o mesmo veredicto.
Se, ao contrário, Dirceu e os demais envolvidos no esquema ora em julgamento forem condenados, o mesmo tratamento deverá ser dado ao atual deputado federal Eduardo Azeredo e demais envolvidos no esquema utilizado em 1998 na eleição para governador de Minas.
Não dá para culpar os tucanos de graves crimes e inocentar a turma do PT, que bebeu na mesma fonte e ampliou a abrangência do golpe no dinheiro público, levando para o plano nacional o que era um arranjo local.
O fato de o mensalão mineiro ter sido considerado o laboratório de onde saiu a expertise para a montagem do mensalão nacional, como frisou o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel em sua acusação, só faz aumentar o convencimento de que o surgimento do “carequinha” no centro das decisões em Brasília se deve à “transferência de tecnologia” que trouxe consigo.
Fonte: O Globo, 09/08/2012
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