Já argumentei nesta coluna anteriormente o porquê de considerar o Escola Sem Partido (e projetos similares) uma péssima ideia. Tolhem a necessária liberdade do professor em sala de aula e colocam uma corda em seu pescoço: a possibilidade da denúncia anônima caso saia do script desejado pelos formuladores da lei e dê algum tipo de opinião política.O ideal de uma aula puramente imparcial não tem qualquer respaldo na prática de professores, que naturalmente refletem valores e visões de sua formação, sendo impossível (e indesejável) dar espaço igual e neutro a todas as visões. O que diferencia o bom do mau professor – no que diz respeito à doutrinação – não é o se colocar ou não, e sim o acolher questionamentos dos estudantes e estimulá-los a pensar por conta própria.Ademais, mesmo um professor que viole essa boa prática (eu mesmo tive professores assim) deve ser abordado internamente: conversa com ele, com a direção. A escola é a instância de resolução de problemas com professores (que vão muito além apenas de tentativa de doutrinação), e não o Ministério Público. Sem falar que dar canais de denúncia anônima para jovens minarem a autoridade de seus professores não parece ser algo muito responsável.
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Os defensores do projeto sabem fazer barulho e divulgá-lo de forma bem sensacionalista. Felizmente, tudo indica que a tentativa de amordaçar professores não dará certo. Do ponto de vista legal, o projeto avança em São Paulo (PL 325/2014) – agora está pronto para ser votado em plenário -, mas como um projeto similar no estado do Alagoas foi derrubado pelo STF no início deste ano, é provável que o mesmo aconteça com a lei paulistana, caso seja aprovada. No Congresso, já foi arquivado.
Mas o que mais me alegra é saber que a própria cultura do denuncismo que o Escola Sem Partido estimula também sofreu um revés. O jornal Gazeta do Povo, do Paraná, que vem tentando se tornar o jornal da direita brasileira, tirou do ar o recém-criado “Monitor da Doutrinação”, para o qual leitores podiam enviar denúncias e evidências de ideologia político-partidária ou de “ideologia de gênero” em sala de aula.
Uma ferramenta dessas estimula alguns dos piores vícios do nosso tempo. O pegar alguns atos que seriam destinados a poucos e jogá-los, sem contextualização, ao juízo da massa, sempre predisposta a condenar o que vai contra suas preferências. É transformar o professor em réu constante perante a opinião pública. Sem falar, é claro, do estímulo que cria ao desejo de notoriedade de denunciantes, e de permitir que mais e mais pessoas exerçam aquele que é o papel mais louvado e admirado dos dias de hoje: o de pobre vítima.
A indignação moral das massas é um péssimo termômetro da conduta humana. É a instância menos indicada para resolver qualquer conflito. Se um professor dá opiniões em sala que incomodam os alunos ou seus pais, que isso seja discutido com ele e com a escola. No mais das vezes, nem sequer é visto como um problema muito grave: todo mundo já teve o clássico professor de esquerda, passou de ano e a vida seguiu numa boa. Colocar nele – ou na professora de educação sexual – a culpa algum grande mal no Brasil chega a ser ridículo. Persegui-los, então, é apenas mais uma faceta da moral da turba que estamos cultivando.
Há muito o que se melhorar nos professores do ensino básico brasileiro. Formá-los melhor também, e disponibilizar melhores livros didáticos. Colocá-los na linha de frente da execração pública não é o caminho para nada disso. A decisão da Gazeta do Povo de tirar o “Monitor da Doutrinação” foi acertada. O provável ocaso dos projetos de lei a la “Escola Sem Partido”, um alívio.
Fonte: “Exame”, 14/12/2017
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