Mesmo com os recentes investimentos em diferentes regiões do país, os transportes públicos continuam sendo motivo de dor de cabeça para a maioria dos brasileiros. Desde os trabalhadores, que encaram longas horas de engarrafamento no deslocamento até o local de trabalho, passando pelos empresários que convivem com atrasos na distribuição dos produtos, ninguém está cem por cento satisfeito com a questão dos transportes no Brasil.
Segundo o professor da Coppe/UFRJ e especialista do Instituto Millenium, Ronaldo Ballasiano, esse cenário é fruto da falta de integração entre os transportes e a ocupação das cidades, e da descontinuidade dos projetos.
“Não podemos ficar a mercê da mudança de planos a cada quatro anos. Criam-se verdadeiros “Frankensteins” no setor. Um projeto não conversa com o outro”, afirma.
Nessa entrevista, o professor, graduado em engenharia civil e PhD em engenharia de transportes, aponta os principais desafios e propõe soluções.
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Imil: A lei de Zoneamento Urbano é de responsabilidade dos municípios. Com as eleições municipais na porta, o que os eleitores devem observar?
Balassiano: Esse é o momento do eleitor se colocar muito próximo de quem ele pretende eleger. É a hora das pessoas mostrarem o que elas esperam dos políticos e avaliar o compromisso dos candidatos. Muitas vezes, os vereadores fazem promessas vazias, sem nem ao menos conhecer a realidade dos bairros onde vão pedir votos. Na questão do zoneamento da cidade não é diferente. É fundamental a aproximação entre os bairros e participação das pessoas no processo eleitoral. As pessoas precisam tomar uma posição mais rígida na hora de eleger seus candidatos.
Instituto Millenium: De maneira geral, como senhor classifica a infraestrutura de transportes no Brasil? Alguma cidade se destaca positivamente? Qual é o diferencial?
Ronaldo Balassiano: Curitiba é uma cidade modelo de transporte público. Foi a primeira cidade do Brasil que implementou os corredores exclusivos para ônibus, com um bom planejamento entre o uso do espaço e os sistemas de transporte. Eu arriscaria dizer que, com os investimentos feitos para as Olimpíadas, a cidade do Rio de Janeiro seria outro bom exemplo. O sistema não está totalmente implementado, mas já são 150 km de BRT, 30 km de VLT, a extensão do metrô até a Barra. Se os investimentos em sistemas de alta e média capacidade continuarem e se houver planejamento de longo prazo, a cidade é candidata a ser uma ótima cidade em termos de transporte público.
Imil: Mas existem muitas críticas aos investimentos em transporte no Rio, principalmente ao metrô, que tem um traçado em linha reta, sem conexões e integrações.
Balassiano: Os recursos para investir em metrô são muito elevados. O valor médio de 1 km de metrô gira em torno de 200 milhões de dólares. Esse é um grande impedimento para a expansão do metrô. Então é importante que as linhas de metrô estejam integradas com outros módulos de transporte, como ônibus, VLT, barcas etc. Sem essa integração em rede a gente vai desperdiçar recursos.
Imil: Ainda sobre o exemplo do Rio, as mudanças nos transportes públicos geraram muitas reclamações entre os usuários, um dos motivos foram as linhas de ônibus excluídas. Falta ouvir os usuários antes de programar mudanças nos transportes da cidade?
Balassiano: Os planos de mobilidade preveem as audiências públicas, para ouvir as demandas da população. Costumo dizer que o melhor “input” para planejar um bom sistema de transportes é conversar com o usuário, que tem informações muito ricas para quem vai reformular a rede de transportes. A sensação que eu tenho é que essa interação, embora prevista nos planos, não está sendo feita de forma adequada.
A proposta de reorganização dos modais no Rio de janeiro é boa como proposta. Passamos a ter linha troncais e linhas alimentadoras, que são funcionais do ponto de vista técnico. Já para quem está pegando o ônibus, fica complicado entender que uma linha que antes era Copacabana- Centro virou Troncal 1, Troncal 2 etc. As pessoas não têm ideia do que isso significa. A informação é fundamental, mas acho que ela é deixada para segundo plano. Esperam as pessoas reclamarem, para depois adotarem medidas paliativas, que nunca são ideias.
Acho que ainda tem muito trabalho a ser feito com foco nessas três questões: integração, informação e participação do usuário.
Imil: Qual é o impacto da falta de mobilidade na economia. Existem estudos sobre isso?
Balassiano: Existem vários estudos relacionando a queda da produtividade do trabalhador com a baixa qualidade dos transportes públicos. Uma pessoa que sai de casa para o trabalho entre três e quatro horas da manhã, levando entre duas e três horas de deslocamento até o serviço, não teve tempo suficiente para descansar do trabalho do dia anterior. É normal ver as pessoas dormindo dentro dos ônibus. Como consequência, essas pessoas costumam ter um baixo rendimento no trabalho, esse baixo rendimento influencia diretamente na produtividade das empresas, indústrias, comércios etc.
A lentidão no deslocamento, seja por causa dos congestionamentos ou pela baixa qualidade das estradas, é outro fator que interfere na produtividade da economia. O maior tempo de viagem exige o aumento das frotas e a contratação de mais funcionários para realizar a distribuição de produtos nas cidades. Esse problema coloca o país em uma “deseconomia” muito grande na questão logística.
Ainda há um grande desperdício de combustível. No momento em que os motoristas começam a rodar a 12, 13 km/h, em pistas com velocidade mínima de 60 km/h, há um desperdício de combustível, um aumento de custo para a economia, além, dos impactos no meio ambiente.
Imil: E no mercado imobiliário e favelização das cidades? Há relação entre a falta de mobilidade e essas questões?
Ballasiano: Essa relação existe. Quando as pessoas moram muito longe do local de trabalho e tem que encarar tempos muito longos de viagem até o serviço, elas começam a optar por viver perto do trabalho, mesmo que em condições de vida e moradia piores, como nas favelas, que acabam se proliferando em pontos estratégicos das cidades.
No longo prazo, o ideal seria trazer as pessoas para mais próximo dos seus trabalhos. A oferta de empregos, escolas, hospitais, serviços, lazer deveria estar mais bem distribuída entre os bairros. Isso reduziria o número de viagens diárias na cidade, aumentaria a qualidade de vida das pessoas. Isso ainda é um privilégio de poucos.
Imil: O que poderia ser feito para resolver o problema dos transportes no país? Falta uma legislação específica ou vontade política?
Balassiano: Eu acho que são as duas coisas. Eu não consigo entender que um político não enxergue o transporte como um dos principais elementos da vida da cidade.
O planejamento da rede de transportes não tem fim. Ele é continuo. O sistema de transportes vai se moldando junto com a ocupação da cidade. A gente não pode pensar na ampliação dos bairros sem pensar na oferta de transportes.
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