O recuo do governo no projeto de renegociação de dívidas dos estados causou um ruído no mercado. A retirada da proibição de reajustes a servidores acima da inflação por dois anos foi interpretada como fraqueza do governo interino de Michel Temer na negociação do ajuste fiscal no Congresso. A dois anos das eleições para governador, muitos deputados não quiseram se indispor e ameaçaram a equipe econômica com derrota na votação do projeto de lei complementar. No governo, prevaleceu o entendimento de que esta medida estava condicionada à única contrapartida que restou: a que impõe por 20 anos um teto para os gastos totais baseado na inflação do ano anterior. Dessa forma, Temer se deu por satisfeito, avisou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e foi bem-sucedido na aprovação do texto-base na Câmara.
Diferentemente do que pensa o mercado, a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão Costa, avalia que quem perde com a retirada do dispositivo são os governadores. Para ela, a equipe econômica conseguiu aprovar o essencial do ponto de vista do ajuste da União, que é o teto de gastos totais. “Se o dispositivo fosse aprovado, estaria na lei a proibição de reajuste de salários acima da inflação. Diferente disso, os governadores terão de resistir às pressões em seus estados contra reajustes, inclusive de outros poderes”, disse a “Época”. Confira a entrevista.
Época – Qual sua avaliação sobre o recuo do governo no projeto de renegociação da dívida dos estados?
Ana Carla Abrão Costa – Na verdade, foi uma grande perda para os governadores, e não para o governo. A equipe econômica conseguiu aprovar o que é importante do ponto de vista do ajuste da União, que é o teto. Ou seja, os estados não poderão ter crescimento de gastos totais acima da inflação. O segundo dispositivo, que era a limitação do crescimento dos salários [dos servidores], era um instrumento que os governadores tinham para conseguir cumprir a meta do teto. Dessa forma, eles perderam este instrumento. A União terá o resultado que espera. Se o estado não cumprir, ele perde o benefício do alongamento [da dívida].
Época – O que exatamente complica a vida dos governadores?
Ana – Se o dispositivo fosse aprovado, estaria na lei a proibição de reajuste de salários acima da inflação. Diferente disso, os governadores terão de resistir às pressões em seus estados contra reajustes, inclusive de outros poderes. No Executivo, eles até podem ter uma gestão mais direta, mas o mesmo não acontece com a política salarial do Legislativo e do Judiciário. Eles terão de dar conta de cumprir o teto, sem um instrumento fundamental, que é a limitação do crescimento dos salários. Tendo aumento salarial real, o estado vai ter de cortar mais ainda os gastos de custeio para cumprir o teto e não perder o benefício do alongamento.
ÉPOCA – O mercado se equivocou ao interpretar o recuo como perda de força do governo nas negociações com o Congresso?
Ana – Sim, na minha avaliação esta leitura é completamente errada. Como disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o governo conseguiu garantir o dispositivo que era importante do ponto de vista do ajuste fiscal da União. O ministro da Fazenda tem razão.
ÉPOCA – Se era uma medida complementar, houve falta de entendimento por parte dos congressistas, que insistiram em retirá-la?
Ana – Muito se falou na Congresso em “congelamento” dos salários dos servidores. Estava no plenário durante a votação e os deputados insistiam nessa ideia. Mas não se trata de congelamento. O que foi proposto foi a reposição das perdas inflacionárias, que é, inclusive, um dispositivo constitucional. Mas fazia uma limitação de um crescimento real, descontado a inflação, e que ele fosse compensado com cortes em outras despesas, como as de custeio.
Época – Qual sua avaliação sobre a retirada do projeto de uma definição mais rigorosa com gasto com pessoal dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)?
Ana – Foi uma estratégia do governo para não contaminar a discussão da renegociação das dívidas. A discussão da LRF é mais profunda e exige um entendimento maior. Não tínhamos tempo para fazer essa discussão em agosto, que é o prazo para a aprovação do projeto de lei da dívida dos estados. Resolveu-se apartar essas duas discussões para dar celeridade à aprovação do projeto [de renegociação de dívidas dos estados]. Mas debater a LRF é fundamental. Não pode cair no esquecimento. A Fazenda disse que encaminhará um projeto à parte. Não podemos perder isso de vista, pois ela é quem vai dar transparência aos gastos de pessoal. Boa parte desse gasto, em particular dos outros poderes, não está abarcada pela definição da LRF. Não havendo uniformidade, boa parte dos gastos com pessoal nos estados supera os 60% , que é o limite imposto pela lei. Esse debate tem de ser feito para que os dados mostrem, de fato, a realidade.
Fonte: “Época”, 12 de agosto de 2016.
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