A filosofia amadora, que constantemente está mais correta do que se pensa, ensina que cada erro traz dentro de si, quase sempre, a semente de outro erro. Deveria ser o contrário, pois decisões erradas contêm lições que poderiam ensinar qual é o melhor caminho para corrigir amanhã as falhas cometidas ontem — mas o que se vê é a insistência de governos e sociedades em querer consertar erros cometendo mais erros.
Eis aí o exemplo da Grécia e sua infernal sucessão de desastres econômicos. Os gregos vêm utilizando há anos esse sistema para sair da desordem terminal criada em sua economia; não saem, é claro, pois ainda não foi descoberta uma maneira prática de chegar ao certo através da repetição do errado ou da troca de equívocos velhos por equívocos novos.
Mas continuam tentando — é a vitória da esperança sobre a experiência, como revela esse notável plebiscito no qual a grande maioria do eleitorado da Grécia, com todo o incentivo de seu atual governo, decidiu que não aceita as medidas propostas pelas autoridades econômicas da Europa para lidar com a ruína financeira do país.
[su_quote]A Grécia imagina que pode se salvar trocando governos de direita, que deram errado, por governos de esquerda, que não vão dar certo[/su_quote]
O plebiscito grego, como frequentemente acontece com plebiscitos pelo mundo afora, foi armado com baralho falso; perguntaram se a população queria, sim ou não, continuar fazendo sacrifícios para dar dinheiro a credores estrangeiros e às grandes potências da Europa. A população em peso respondeu que não, não queria — mesmo porque as penitências que vem fazendo há anos, com perda de empregos, corte de salários, redução de aposentadorias, limitação no crédito e outros infortúnios, não adiantaram nada, até agora, para resolver problema algum.
A questão, em todo caso, não está bem aí; governos trapaceiros não organizam plebiscitos para perder. O problema está no conjunto da obra. A Grécia vive desde 2008 na vara de falências, quando ficou claro que não poderia mais continuar na pândega econômica dirigida por seus governos desde que foram premiados com a admissão do país na zona do euro. A Grécia tem um PIB menor do que o do estado do Paraná, mas quis viver como se fosse os Estados Unidos da América.
Gastou o que tinha e, sobretudo, o que não tinha — em aumentos salariais, inchaço do funcionalismo, Olimpíada, cartões de crédito platinum, aposentadorias “especiais”, redução de impostos, menos trabalho, presentes caríssimos para os mais ricos, e por aí vai. Nada disso, naturalmente, era fruto de aumento da produtividade, crescimento real do PIB e outras virtudes econômicas. Era apenas construção de dívida. Como jamais houve dinheiro sadio para pagar a festança, a Grécia passou a viver de euro emprestado; para tanto, não hesitou em falsificar números oficiais e mentir aos credores na hora de renovar seus papagaios.
Quando a casa enfim caiu, porque não podia mais continuar de pé, os governos gregos, os demais países europeus e os bancos credores lançaram-se a uma espetacular corrida para consertar erros com erros — contando, naturalmente, com a colaboração de políticos, sindicatos e burocratas da Comunidade Europeia, do FMI e dos demais suspeitos de sempre.
Nada do que fizeram de lá para cá deu certo. A mãe de todas as misérias que colocaram em circulação foi a costumeira teimosia em buscar soluções apenas por meio do corte de despesas, sem mudar em nada o funcionamento real da economia grega — corta-se, mas não se criam condições para o desenvolvimento sadio, a capacidade de competir e a geração de riquezas, única maneira conhecida de financiar com eficácia o bem-estar geral.
E agora? Agora a Grécia imagina que pode se salvar trocando governos de direita, que deram errado, por governos de esquerda, que não vão dar certo. Sua grande ideia econômica é obter a prosperidade dando um calote mundial — mas mesmo que toda a dívida fosse milagrosamente perdoada, a Grécia começaria a dever de novo no dia seguinte, pois não tem um tostão furado para pagar despesas de qualquer tipo, e não sabe onde arrumar dinheiro. É uma história que tem tudo para ir longe.
Fonte: Exame, 15/07/2015.
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