O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira, 20, o projeto que institui uma reserva de 20% das vagas de concursos públicos federais a candidatos negros e pardos. A proposta, enviada pelo poder Executivo no final do ano passado ao Congresso e que já tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados em março, seguirá para sanção da presidente Dilma Rousseff.
A votação foi acompanhada por representantes da causa racial no país como a ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiza Bairros. Ao contrário dos debates acalorados entre deputados, a sessão do Senado ocorreu em clima de confraternização.
Pela proposta, a reserva de vagas vai ocorrer nos órgãos da administração pública direta, autarquias e fundações federais, assim como empresas públicas e sociedades mistas controladas pela União. A medida terá validade por dez anos.
A cota para negros e pardos no país, segundo o texto, só será aplicada quando o número de vagas em disputa for igual ou superior a três. Os editais dos concursos terão de divulgar expressamente o total de vagas correspondente a reserva para cada cargo ou emprego público oferecido. Pelo projeto, poderão concorrer às vagas da cota os candidatos negros que se autodeclararem negros ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito de cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A proposta prevê punições caso seja constatada falsidade na declaração do candidato. As sanções vão da eliminação do concurso à anulação do processo de admissão ao serviço ou emprego público do candidato que fraudar os dados.
Na justificativa do projeto enviado pelo Executivo, o governo afirma que, embora a população negra represente 50,74% da população total, a representação no poder público do Executivo Federal cai para 30% entre os servidores públicos federais. O dado refere-se a um levantamento feito em 2010 pelo IBGE. “Tem-se, assim, evidência de que, ainda que os concursos públicos constituam método de seleção isonômico, meritocrático e transparente, sua mera utilização não tem sido suficiente para garantir um tratamento isonômico entre as raças, falhando em fomentar o resgate de dívida histórica que o Brasil mantém com a população negra”, justifica o governo.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apresentado em fevereiro, mostra que a presença de negros é baixa entre as carreiras públicas mais concorridas, em especial as de âmbito federal. Na diplomacia, por exemplo, os pardos e negros representaram apenas 5,9% dos que ingressaram entre 2007 e 2012, contra 94,1% de brancos e outras etnias (amarelos e indígenas), de acordo com informações do Siape, que agrupa toda a folha de pagamento dos servidores públicos. Entre os auditores da receita, os negros e pardos são 12,3% e, na carreira de procurador da fazenda nacional, 14,2%.
Numa análise mais geral, a presença de negros parece relativamente equilibrada. Eles respondem por 47,4% dos ocupados no setor público, contra 51,5% de brancos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2012. Nos empregos de esfera municipal, por exemplo, há mais negros (51,4%) que brancos (48%). Mas essa fatia se dilui nas instâncias estadual e federal – onde há mais concorrência e mais exigências, como ensino superior. Para se ter uma ideia, das mulheres negras ocupadas no setor público, 65% estão nos municípios, 27,5% nos Estados e apenas 7,5% no governo federal.
Como os cargos com remunerações maiores são predominantemente ocupados por brancos, os salários médios dos negros no emprego público são geralmente mais baixos, mesmo que os anos de estudos sejam equivalentes, segundo o estudo. Em média, os homens negros recebem 65,7% do que recebem os homens brancos, abaixo das mulheres brancas, cujo rendimento é equivalente a 68,6%. Na mesma comparação, as mulheres negras ganham menos que a metade.
Ações afirmativas– Em entrevista após a aprovação do texto, a ministra Luiza Bairros disse que a aprovação do projeto também possibilita o princípio das ações afirmativas no mercado de trabalho. Segundo ela, é no serviço público federal que existe a menor participação dos negros em comparação com o funcionalismo público estadual e municipal. “É preciso sim adotar medidas que estimule e incentive a participação dos negros”, afirmou.
A ministra disse que a futura lei terá um forte efeito de “demonstração” e levará a um impulso para que os demais entes federados tomem idêntica iniciativa. Segundo ela, cerca de 50 municípios já adotam a cota para concursos. Para Luiza, o prazo de dez anos de vigência da lei servirá para avaliar a qualidade da lei. Ela também acredita que vai haver uma repercussão nas empresas privadas.
Luiza disse que não tem uma preocupação “muito grande” com eventuais falsas declarações, uma vez que casos como esse, ressaltou, são “estatisticamente insignificantes”. “Até pela grande competitividade, eu acredito que isso vai coibir os candidatos de colocarem uma condição falsa com medo de que isso possa desclassificá-los”, afirmou ela, que disse que vai trabalhar pela sanção da matéria ainda neste mês.
Questionada se o projeto deve ter algum efeito eleitoral, uma vez que atinge a maior população do País, a ministra disse que qualquer medida correta tomada por um governo tem impactos eleitorais. “Não se pode diminuir a importância dessa conquista diante dessa conjuntura”, avaliou.
Emenda rejeitada– O Plenário rejeitou a emenda apresentada pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) para estabelecer a reserva de 40% das vagas de concursos públicos federais a residentes do estado onde os cargos serão preenchidos. Ela já havia sido rejeitada tanto na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) quanto na CCJ. De acordo com o relator na CCJ, o conteúdo da emenda tratava de tema diverso ao contido no projeto em análise.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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