Depois de três semanas de desalinho, Senado e Câmara esboçaram na quarta-feira um freio de arrumação nas ações em resposta à pandemia do coronavírus. Em meio a reclamações de falta de avanço de matérias aprovadas nas duas Casas e uma autocrítica sobre o impacto fiscal das medidas em debate, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que organizará a pauta dos senadores para dar prioridade às medidas provisórias do governo.
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que montará uma agenda afinada com a do Senado.
Ao analisar propostas de grande impacto financeiro, as sessões de Câmara e Senado foram suspensas na tarde de quarta-feira. No Senado, a ação contou com a articulação dos líderes do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), que apelaram aos colegas para que não votassem propostas sem conhecer o alcance delas.
Nas últimas sessões, os senadores aprovaram a ampliação do auxílio emergencial de R$ 600 a trabalhadores informais e intermitentes, um programa de socorro a empresas para evitar demissões e uma linha de crédito para micro e pequenas empresas bancada em 85% pelo Tesouro.
Na Câmara, Maia decidiu deixar para esta quinta a votação do pacote emergencial de ajuda a estados e municípios, uma adaptação do chamado Plano Mansueto. A sessão foi interrompida porque não houve consenso entre líderes partidários, que pressionavam por alterações de que poderiam gerar gastos elevados.
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Desde que a crise começou, a equipe econômica tentou medir os impactos de medidas e demover os congressistas de alguns pontos. Todos os projetos receberam parecer no mesmo dia, com pressa. Em alguns casos, isso ocorreu na mesma hora em que foram votados.
Na quarta-feira, o Senado votaria dois projetos: o primeiro estabelece medidas de desoneração da folha de pagamento para garantir a subsistência dos empreendimentos e a manutenção de empregos durante pandemia; e o segundo prevê a concessão de empréstimos para empresas do setor privado, para quitação de folha de pagamento no período de até três meses.
Bezerra Coelho e Gomes apelaram para que os projetos não fossem votados, alegando que há iniciativas similares em medidas provisórias apresentadas pelo governo. Funcionou.
Ao fim de uma sessão em que os senadores cederam e reconheceram que precisam ter mais detalhes dos impactos fiscais antes das votações, Alcolumbre marcou uma reunião com os colegas na segunda-feira para organizar as votações. A ideia é que projetos que tratam de temas que já constam em medidas provisórias se tornem emendas a elas.
Os outros projetos que não têm a ver com MPs serão agrupados em grandes temas para serem votados em pacotes.
Alcolumbre quer ainda conversar com Maia para alinhar o trabalho das duas Casas. Isso porque o Senado está desconfortável com a demora da Câmara para votar alguns projetos aprovados pelos senadores. A primeira grande medida aprovada pelo Legislativo, de iniciativa da Câmara, foi o auxílio de R$ 600 mensais a trabalhadores informais.
Sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o benefício começa a ser liberado neste mês aos brasileiros que se enquadram nas condições sócio-econômicas da proposta. Apesar disso, o Senado aprovou um projeto que inclui nominalmente várias outras categorias. No mesmo texto, há a previsão de um plano emergencial para tentar preservar o emprego de trabalhadores formais.
No início da semana, líderes da Câmara defendiam que essa proposta do Senado só fosse ao plenário quando o governo federal pagasse o que determina a primeira proposta. O próprio presidente da Câmara criticou o impacto fiscal da iniciativa.
A postura dos deputados irritou Davi Alcolumbre, que cobrou “reciprocidade”. Na pauta do Senado, está uma proposta de emenda à Constituição que dá mais garantias para gastos emergenciais durante a crise. A chamada “PEC da Guerra” é de autoria de Maia e é apoiada pelo governo.
— Eu disse a ele: ‘Rodrigo, vamos valorizar as iniciativas do Senado. Eu quero a mesma celeridade. Eu não quero protagonismo, não tenho projeto, não apresentei emenda. Quero reciprocidade’ — disse Davi.
Na quarta, Maia respondeu que vai adequar o calendário da Câmara às propostas do Senado. Ele acrescentou que recebe a crítica de Davi “com atenção” e, por isso, o plenário deve votar hoje a proposta que amplia o benefício de R$ 600. Além disso, colocará em pauta o projeto de senadores que concede empréstimos a micro e pequenas empresas.
— Nós devemos votar essas duas principais matérias até amanhã (hoje). E vamos organizar a partir da próxima semana um calendário, no qual toda semana poderemos votar as matérias que são de origem de senadores, que têm a mesma importância das matérias de origem dos deputados — disse Maia.
Além da PEC do Orçamento de Guerra, Maia tem interesse na aprovação do Plano Mansueto, que alivia a rigidez fiscal aos estado. Embora tenha cobrado reciprocidade da Câmara, Alcolumbre ainda não conseguiu garantir a votação do Orçamento de Guerra no Senado.
A proposta ficou para a pauta da próxima semana, porque ainda não há acordo entre os senadores. Para tentar vencer as resistências, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se reunirá com um grupo de senadores hoje.
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Aina há outro problema: senadores estão incomodados em alterar a Constituição por meio de uma sessão remota e em ritmo acelerado. As PECs passam pela Comissão de Constituição e Justiça antes de chegarem ao plenário para serem melhor discutidas.
Com o Congresso se reunindo apenas virtualmente, essa etapa é eliminada. O desconforto já foi manifestado pelo próprio Alcolumbre. Agora, um grupo de parlamentares quer deixar de votar a proposta da Câmara para aprovar um projeto de lei complementar sobre o tema.
— Um projeto de lei pode abranger as mudanças necessárias, criar um orçamento emergencial, já que o atual foi construído para um mundo que não existe mais. Porém, isso não precisa ser feito por uma mudança na Constituição. Isso abrirá um precedente muito ruim. Para alterar a Constituição, há um roteiro. É um processo que demanda tempo. As coisas não podem ser aprovadas assim — diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Presidente da CCJ, a senadora Simone Tebet (MS) também já expressou seu descontentamento:
— O Orçamento de Guerra não precisa de alterar a Constituição, já que aprovamos o decreto de calamidade pública.
Sobre o mérito, a principal queixa dos senadores é sobre o trecho da proposta que permite ao Banco Central a compra direta das carteiras de crédito e títulos das empresas. O governo defende essa medida para fazer com que recursos liberados cheguem efetivamente às mãos dos empresários.
Fonte: “O Globo”