Em algum momento da sua jornada profissional, você já se perguntou por que trabalha? Se a resposta for apenas pelo lucro, o escritor e consultor de estratégias Ricardo Oliveira Neves convida empresas e funcionários a viverem com um propósito maior do que esse. Em seu livro Sensemaking: Liderança por Propósito, Ricardo garante que não há mais espaço no mundo atual para organizações e pessoas que não saibam o sentido das funções que desempenham em sua carreira e como elas impactam ao seu redor, principalmente pós-pandemia do coronavírus.
O que quer dizer o termo sensemaking, na prática?
O sensemaking é uma expressão muito cara para mim, que é o “fazer sentido”. É basicamente a ideia de olhar o mundo procurando fazer sentido a partir dos problemas que a gente recebeu e da urgência de não poder mais perder tempo. Eu penso que essa é a década que vai fazer a diferença, que dirá se a espécie humana vai vingar ou não. Então, liderança por propósito nas empresas, nas organizações e nas ONGs passa por reconhecer o propósito.
Esta palavra emergiu com força em meados da década e é uma pergunta que não quer mais calar: qual o seu propósito? Essa é a grande pergunta hoje em dia. Você está trabalhando porque você quer ganhar uma grana para fazer suas coisas, você está trabalhando porque tem prestígio, mas o que faz a diferença é o propósito, o recado que o ser humano precisa dar no tempo de vida dele.
Quem seriam os principais atores a quem o sensemaking se destina?
A mais nova geração que está entrando, os millenials (geração Y, de nascidos entre 1980 e 1994) e os Zs (de nascidos entre 1995 e 2010), porque eles têm uma perspectiva completamente diferente dos caras que são as múmias, que tinham uma perspectiva de trabalho baseada no prestígio da empresa, baseada no quanto estava recebendo, no bônus. Essa nova geração tem uma característica diferente, porque eles já sentiram que foram logrados e receberam um monte de problemas. É como se tivesse um armário que você abre e, de repente, as coisas começam a cair em cima de você.
Os millenials estão percebendo que querem mais do que isso, mais do que uma aposentadoria dourada, até porque estão sem saber se vão se aposentar ou não, como vai ficar isso. Essa conversa é sobre eles, também. As lideranças que buscam esses talentos precisam conhecer a bagagem e as exigências que vêm com eles.
Por que você propõe essa abordagem para as empresas? Qual a importância de fazer sentido?
Eu sou, há quase três décadas, consultor de empresas e sempre tive uma questão que era a comunicação ser a chave nas organizações e sociedades. A partir da emergência das redes sociais, percebemos que estamos numa Torre de Babel. Você tem empresas que estão com um modelo muito antigo de gestão, chamado comando e controle, onde a liderança ainda é centralizada, burocrática, hierárquica e prescreve para as pessoas o que elas têm que fazer. Mas as pessoas, sobretudo os jovens, não querem seguir simplesmente um script, eles querem ir atrás do propósito.
É importante fazer times efetivamente colaborativos, entender que as organizações só vão sobreviver se perceberem que o modelo da orquestra sinfônica, que é o maestro ditador, controlando todo mundo, não funciona mais. O modelo organizacional mais interessante é o da banda de jazz, que você não sabe quem é o maestro, a liderança é fluida e um conversa com o outro.
Como foi o processo de construção do livro? A pandemia influenciou?
Eu fui fazer um período sabático, com início em 2017, especificamente em cima das questões de liderança, propósito e comunicação estratégica. Essas palavras me guiaram ao longo de dois anos onde eu estive fazendo estudos, pesquisando e lendo sobre como a liderança pode conduzir seus colaboradores num caminho diferente do comando e controle. Daí, então, saiu a palavra sensemaking, que emergiu como uma espécie de bandeira que permite a gente liderar por propósito. Foi quando veio a pandemia e fiquei de lockdown, em Portugal, escrevendo.
A liderança sensemaking, com propósito, está apta a lidar com o que eu chamo de complexidade exponencial. Então, o livro nasce a partir da ideia de que a liderança são pessoas que estão prontas para lidar com um nível de complexidade que a gente precisa admitir que não sabe fazer. Ou o cara bate na mesa e diz “vamos fazer isso e aquilo, a pandemia vai acabar”, como o Trump, ou é uma liderança como a Angela Merkel, que percebeu que ninguém sabe lidar com isso e que precisa conversar com todos.
O senso comum acaba nesses momentos, as pessoas saem das zonas de conforto delas. Nesse momento, a liderança, ao invés de bater na mesa, tem que lidar com o que eu chamo de “os quatro Cs”: calma, coragem, conversa e colaboração.
Você divide o livro em quatro partes: complexidade exponencial, sensemaking, propósito e impacto e mudança de mentalidade. Como essa estrutura pode ajudar líderes que buscam o sensemaking?
A percepção do líder tem que ser de que as pessoas não são robôs. É isso que eu quero mostrar. As pessoas fazem o trabalho que o algoritmo não faz, que é criar e resolver problemas. Elas são diferentes de uma inteligência artificial, elas são subjetivas, que é mais importante do que a objetividade. O líder tem que ter a capacidade de se colocar no sapato do outro, o chicote não retém as pessoas, o que retém é você lidar com os propósitos das pessoas. Ele precisa estar ligado às questões subjetivas.
Desde 2009, trabalho em empresas ajudando com processos colaborativos de tomada de decisão. Em vez de você, na direção, imaginar o que fazer e depois contar aos colaboradores, você já envolve eles antes, aí as pessoas terão clareza do que precisa ser feito. O papel chave da liderança, frente à complexidade exponencial, é ajudar as pessoas a mudarem a mentalidade.
Quais as principais características que esse novo líder precisa ter no pós-pandemia?
Não me interessa só se sua empresa tem lucro, quero saber qual o impacto ambiental ela está tendo. Ela garante só o lucro de homens brancos ou ela tem mulheres, negros? Ela ajuda ou não a desmontar a bomba do racismo cultural? Sua empresa tem transparência ou é uma caixa preta? Você se aproveita das pessoas, meramente? Elas são um produto para você?
Essa filosofia ESG (ambiental, social e governança) expressa muito bem que não só as grandes empresas precisam estar antenadas com o novo normal onde o ESG é tão importante. O líder precisa entender que ele precisa conversar com as pessoas. O investidor será cada vez mais ESG. Se as pequenas e médias empresas, também, não estão sintonizadas nessas ideias, terão dificuldade para atrair e reter talentos. É necessário que o líder esteja atento a essas questões, é impossível seguir em frente sem isso.
O que significa Mindset Transformation Process (MTP), citado na última parte do livro?
É uma metodologia que eu procuro passar para as lideranças sobre como elas colocarão em prática aquilo que aprenderam com o livro. O que você vê na sua frente? O novo normal num mundo pós-pandemia. Então, a primeira coisa que você tem de fazer é ajudar os seus parceiros a fazer um processo de transformação de mentalidade.
O líder precisa atrair, reter, co-criar, de forma colaborativa, soluções junto com seus colaboradores. O objetivo principal é orientar e facilitar o processo colaborativo de tomada de decisão para equipes no desafio da mudança sistêmica e transformação da mentalidade nas empresas.
Na prática, como fazer um sensemaking eficiente?
Qualquer trabalho que é feito com o ser humano, no curto prazo, se puder ser feito por um algoritmo, será substituído. O trabalho humano será, cada vez mais, aquele que as máquinas não são capazes de fazer: resolver problemas, buscar criatividade, novas soluções e novos caminhos. Isso é no que os líderes têm de estar atentos. Devem atrair pessoas criativas, questionadoras, que funcionam a partir de um propósito que está dentro delas.
As empresas que vão florescer, depois que a poeira baixar, são as que buscam talentos e novos estilos de vida. O trabalho remoto mostrou isso. A forma de medir a performance das pessoas será muito diferente. As várias empresas dinossauros vão morrer. O sensemaking eficiente só é alcançado se você estiver, o tempo todo, procurando fazer sentido das transformações que fazem com que a normalidade tenha de mudar. Tudo na sua vida pode ser interessante, desde que você tenha a capacidade de buscar o que é o seu propósito.
Fonte: “Estadão”, 14/02/2021
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