A educação pública brasileira acumula resultados fracos em suas funções primeiras: a de formar cidadãos cientificamente instruídos e capazes de produzir. Diversos são os indicadores que apontam para triste essa realidade. Em uma pesquisa feita em 2016 pelo IBOPE Inteligência, constatou-se que apenas 8% da população brasileira é plenamente capaz de entender e interpretar textos e números, estando, assim, completamente alfabetizada [1]. De fato, o desempenho dos estudantes brasileiros vem sendo medido em exames internacionais como um dos piores do mundo e, pior do que isso, tem se mostrado estagnado [2]. Não por menos, cerca de metade dos jovens de 15 a 17 anos não está matriculado no ensino médio, seja por evasão escolar, como por retardo no ciclo acadêmico [3].
A despeito de todas as questões estruturais que envolvem a eficácia das políticas empreendidas no setor, invariavelmente os discursos que buscam apontar as causas que possam ser atribuídas a essas e outras estatísticas versam que a educação seja subfinanciada por parte do governo federal, o qual trataria o setor como um “gasto” e não como um “investimento”.
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Com a cristalização dessa visão no imaginário público e acadêmico, outras considerações que apontam diagnósticos diferentes perdem em relevância frente a observações concorrentes. Por tal razão, levanta-se uma questão importante: é um fato que o volume de recursos destinados ao sistema público de ensino seja efetivamente o causador de resultados tão ruins, ou essas afirmações são meras opiniões viciadas em sua essência por perspectivas ideológicas?
Nesse sentido movimentos públicos como o Todos Pela Educação vêm há alguns anos empreendendo campanhas e mobilizações para fixar e implementar um piso nos gastos da esfera pública na educação em somas que equivalham a no mínimo 10% do PIB nacional, um valor que se aproxima do gasto atual com a previdência, que é a parcela mais significativa do orçamento primário federal, ficando na casa de 13% do PIB em 2016 [4]. Muito embora seja essa a visão que impere, os dados têm apontado uma realidade oposta. O Brasil é um dos países que, dentro das devidas proporções, mais gasta em educação no mundo, mas gasta com baixíssima eficiência [5].
Para entendermos o padrão de efetividade dos gastos governamentais na qualidade do sistema de ensino vamos olhar primeiro os resultados internacionais. A cada três anos a OCDE realiza o exame de desempenho estudantil do PISA, Programa Internacional de Avaliação de Alunos, que mede o rendimento de estudantes em três áreas do conhecimento: ciências, leitura e matemática. Comparando-se tais dados com os gastos realizados pelos governos de cada país participante podemos observar o comportamento geral dos resultados obtidos para se presumir se poderiam ser obtidos ganhos marginais com o aumento dos investimentos em educação. No gráfico 1 são apresentados os resultados médios do score nos exames obtidos pelos países para os quais estão disponíveis dados de gastos públicos em educação em porcentagem do seu PIB. No gráfico 2 temos, por outro lado, os gastos públicos em educação em porcentagem dos gastos primários dos países.
Gráfico 1: Resultado no PISA 2015 e sua relação aos gastos públicos em porcentagem do PIB[6][7]
Tanto do ponto de vista fiscal como do desempenho o ensino brasileiro se mostra aquém dos resultados internacionais. O País pontua entre os cinco piores do mundo em desempenho, mesmo gastando mais recursos do que a grande maioria dos demais. Em proporção do PIB, o governo brasileiro gasta 6% deste em educação, ao passo que a maioria dos países com gastos agregados inferiores obtém resultados muito melhores na qualidade do ensino. Em tempo, apenas o Líbano investe menos que o Brasil e obtém um resultado significativamente pior.
Do apresentado no gráfico 1, tem-se ainda que os resultados são largamente heterogêneos (R2 = 0,0206). São observados países com gastos paupérrimos e resultados excelentes, como Singapura e Japão, com gastos de 3 e 3,7% de seu PIB, respectivamente, e países com orçamentos generosos e resultados sofríveis, como Costa Rica e Moldávia, com gastos de 6,9 e 8,3%. Em uma proporção de gastos próxima da do Brasil observa-se um aglomerado de países como França, Eslovênia, Países Baixos, Reino Unido e Vietnã que gastam até meio ponto percentual a menos no setor, mas obtêm resultados superiores em no mínimo 100 pontos. Por outro lado, países como Cazaquistão e Romênia gastam a metade dos recursos proporcionalmente destinados pelo Brasil e tem resultados significativamente superiores. Ainda, Indonésia e Peru tem resultados de desempenho iguais aos brasileiros consumindo proporcionalmente apenas a metade dos recursos.
De toda a amostra fica evidente a baixíssima correlação entre as variáveis, indicando o quão fraca tende a ser a afirmação de que um aumento de gastos diretos na educação pública é necessariamente capaz de garantir bons resultados no ensino, de modo que o desempenho médio dos alunos seria uma questão muito mais ligada a outros parâmetros que o capital investido no setor pela esfera pública.
Quando se avalia a proporção de gastos frente ao orçamento governamental as mesmas observações se sustentam, como mostra o gráfico 2:
Gráfico 2: Resultado no PISA 2015 e sua relação aos gastos públicos em porcentagem do orçamento primário[6][8]
Conforme os dados, o Brasil destina cerca de 16% do seu orçamento primário para a educação, valor bastante significativo frente ao padrão internacional, indicando, a princípio, que o país não estaria a subfinanciar a educação pública. Ainda, tem-se que tal percentual é expressivo tanto frente a países de condições socioeconômicas próximas às nacionais, como os latino-americanos Argentina, Colômbia e Uruguai, os quais gastam aproximadamente 15% do seu orçamento primário no setor, quanto àqueles que figuram entre os melhores resultados aferidos.
Por outro lado, em ambas as avaliações pautadas nos gastos públicos em educação em porcentagem do PIB, como nos gastos públicos em educação em porcentagem do orçamento primário, alguns são os exemplos de países cujos gastos são superiores sim aos brasileiros e cujos resultados são excepcionais, corroborando para a tese de que a educação brasileira teria um baixo rendimento associado a escassez de recursos. Embora tal afirmação encontre sustentação em um primeiro momento, é imperioso observar que estes países como Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Islândia e Dinamarca figuram também entre as nações mais desenvolvidas do mundo, com estruturas econômicas mais avançadas, lhes permitindo dispêndios tão significativos.
Não seria coerente esperar-se que o Brasil em suas maiores limitações fiscais e demográficas possuísse a mesma capacidade de investimento. Ainda, mais importante que isso, tais países apresentam uma eficiência nos gastos públicos internacionalmente reconhecida. Segundo pesquisa de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, tais países se posicionam, respectivamente, em 5º, 9º, 10º, 13º, 35º e 36º, de mais de 140 avaliados, entre os menores índices de desperdício nos gastos governamentais [9].
Os resultados observados nos investimentos agregados realizados internacionalmente são um indicativo de que a destinação direta de mais recursos para a educação pública brasileira não seria per se capaz de solucionar as deficiências atuais. Adicionalmente, quando encarado o agravamento do já preocupante problema fiscal que enfrenta o governo brasileiro, tal alternativa se mostra pouco viável e de um alto custo gerencial.
Constatada essa frágil correlação entre o acréscimo de gastos governamentais e a melhora na qualidade do ensino observa-se que o suposto subfinanciamento da educação pública brasileira não é diretamente verificado pelos dados; dessa forma, o setor já dispõe hoje de uma parcela significativa do orçamento primário nacional que, observando os paralelos internacionais, coloca o Brasil entre os países que mais investem em educação em valores proporcionais. Desse modo, a realização de maiores investimentos no setor teria uma reduzida capacidade de melhorar os problemáticos resultados atuais do ensino nacional.
Tem-se, assim, que o aumento de gastos públicos na educação implicaria em um custo de oportunidade bastante significativo ao orçamento federal. Visto que as necessidades públicas são ilimitadas, mas os recursos são finitos, e que tal alternativa apresenta um baixo potencial de ganhos, as ações mais eficazes para uma melhora dos resultados estariam necessariamente na melhor gestão dos recursos públicos já destinados ao setor.
Dito isso, é necessário ressaltar que não podemos trocar uma conclusão ideológica pobre e precipitada por uma avaliação puramente sintética. A fraca correlação entre os dados não prova fatalmente a ausência de causalidade entre os fatores, mas serve de indicador que, apesar destes se mostrarem completamente distantes, predominam as vozes que afirmam o contrário, as quais, motivadas por interesses corporativistas negligenciam aquilo que os fatos vêm a mostrar. Quando encarado que os demais países consomem menos recursos e alcançam resultados muito superiores, e que o setor público brasileiro apresenta um problema crônico de baixa produtividade[10] é inegável que tal conclusão se sedimenta e expõe uma observação urgente, porém de difícil aceitação: a educação pública brasileira não necessita de mais recursos, pois seu problema não é orçamentário, mas é inerente a uma máquina pública inchada, morosa e equivocada em suas prioridades.
*Igor A.A. Koakoski
Graduando em Engenharia Civil pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
Notas:
[1] INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL – INAF. Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho. 2016. Disponível em <http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2016/09/INAFEstudosEspeciais_2016_Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.pdf> Acesso em 17 jun 2017.
[2] ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO – OCDE. Brasil: Resultados principais. Disponível em <http://www.oecd.org/pisa/pisa-2015Brazil -PRT.pdf> Acesso em 17 jun 2017.
[3] O maior problema da educação do Brasil. Disponível em <http://istoe.com.br/326686_O+ MAIOR+PROBLEMA+DA+EDUCACAO+DO+BRASIL/> Acesso em 17 jun 2017.
[4] Gasto brasileiro com Previdência é o mais alto entre países de população jovem. Disponível em <http://g1.globo.com/economia/noticia/gasto-brasileiro-com-previdencia-e-o-mais-alto-entre-paises-de-populacao-jovem.ghtml> Aceo em 17 jun 2017.
[5] Brasil patina porque gasta muito e mal, indica estudo. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/04/1766555-brasil-patina-porque-gasta-muito-e-mal-indica-estudo.shtml> Acesso em 17 jun 2017.
[6] PISA 2015 Results (Volume I). Excellence and Equity in Education. Disponível em <http://www.keepeek.com/Digital-Asset-Management/oecd/education/pisa-2015-results-volume -i_9789264266490-en#.WUcANGjyuUk#page45> Acesso em 13 jun 2017.
[7] Government expenditure on education, total (% of GDP). Disponível em <http://data.worldbank.org/indicator/SE.XPD.TOTL.GD.ZS> Acesso em 13 jun 2017.
[8] Expenditure on education as % of total government expenditure (%). Disponível em <http://data.worldbank.org/indicator/SE.XPD.TOTL.GB.ZS> Acesso em 13 jun 2017.
[8] The Global Competitiveness Report 2014–2015. Disponível em <http://www3.weforum. org/docs/WEF_GlobalCompetitivenessReport_2014-15.pdf> Acesso em 13 jun 2017.
[10] O funcionário público tem baixa produtividade. Disponível em <http://www.infomoney. com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/5562525/funcionario-publico-tem-baixa-produtividade> Acesso em 17 jun 2017.
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