A Os últimos meses de 2019 não devem mudar muito o quadro que tivemos até aqui na economia. Muito provavelmente, o PIB deve fechar o ano em 0,9%, com o quarto trimestre podendo surpreender a depender da demanda doméstica reagir um pouco mais. De qualquer maneira, será o terceiro ano seguido de crescimento próximos de 1%, com diversos choques tendo atingido a economia durante esses anos.
A dúvida toda recai sobre 2020 ser o ano efetivo da retomada ou se ainda será um ano de transição. Cada vez mais, o cenário traz algumas dúvidas sobre a retomada mais efetiva ano que vem, mas ao menos há sinais positivos de crescimento mais consistente vindos pela frente.
Um elemento essencial de surpresa positiva neste semestre foi a taxa de juros. Havia certa insegurança sobre o caminho da inflação este ano, mas os últimos meses têm mostrado sinais claros de que os preços se manterão sob controle. Não há no horizonte de curto prazo riscos iminentes de aumento de preços, pelo contrário. A atividade, mesmo em recuperação, ainda tem muita capacidade ociosa; a taxa de câmbio não parece que terá forte depreciação que justifique preocupação com repasse para a inflação e as commodities devem seguir contidas com o cenário internacional apontando desaceleração.
Tanto para 2019 quanto para 2020, o IPCA deverá ficar abaixo da meta. Em 2019, em 3,3%, e ano que vem em 3,6%. A nova Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE mudou a ponderação do IPCA e fez com que as projeções ficassem até um pouco menores com a nova composição, com peso menor de alimentos, geralmente mais volátil. Considerando os novos pesos teríamos uma inflação ano que vem de 3,5% ao invés de 3,6%. Parece pouco, mas é um elemento adicional que ajuda na contenção inflacionária em um ano que a meta será de 4%.
Há espaço de sobra para o Banco Central ser mais agressivo e baixar a Selic para 4% no começo do ano que vem, sem apresentar riscos adicionais para a política monetária. Juro nesse patamar terá o potencial de alavancar ainda mais a construção civil. Há demanda reprimida no segmento depois de anos de recessão e que uma taxa básica de 4% com spread relativamente moderado poderá estimular ainda mais as vendas ano que vem.
Há aqui um ponto relevante a se observar de que começaram a aparecer casos de decisões judiciais favoráveis ao mutuário que fica sem recursos para pagar o restante final da casa. Isso tenderia a minar a alienação fiduciária, que tem sido essencial para o crescimento do crédito imobiliário ao longo dos últimos anos. Há sinalização de que uma discussão definitiva sobre o instituto da alienação possa chegar ao Supremo dentro de dois a três anos e espera-se que os membros da corte tenham sensibilidade para perceber o retrocesso que seria se houvesse mudanças na alienação.
Mais de Sergio Vale
A agenda de reformas fiscais ainda está pela metade
Bolsonaro pode impactar negativamente o soft power brasileiro?
A agenda dos três custos facilitará novos acordos comerciais
De qualquer maneira, não há muitos riscos de curto prazo nesse caso, e o estímulo monetário poderá ser importante para o ano que vem. E deverá ser neste caso, pois uma queda de 6,5% para 4% pode ser mais convidativa para a retomada do crédito imobiliário do que foi a queda de 14,25% para 6,5%. A ideia aqui é que o valor mais baixo da taxa importa mais do que a magnitude da queda anterior. Faz diferença assim chegarmos a uma taxa de 4%, mesmo que temporariamente. Conta também o fato de essa taxa baixa ser relativamente inesperada. Não era a base do mercado até pouco tempo atrás e esse elemento surpresa pode ajudar na melhora ainda maior das expectativas do setor.
Por agora, essa parece ser a única grande boa notícia para estimular a economia ano que vem. A reforma da previdência deverá ser aprovada, em patamar menor do que o aprovado na Câmara, mas ainda assim com pontos relevantes, como a idade mínima, e um volume de ajuste ainda respeitável na casa dos R$ 800 bilhões.
Mas o resto faltará, especialmente a reforma tributária que parece cada vez mais distante e difícil de se chegar em um consenso que envolva todas as esferas de governo. As demandas estaduais neste semestre se mostraram fortes e se o governo não conseguir mostrar que uma reforma terá o efeito benéfico para toda a economia será difícil ver a mudança tributária acontecer. Não ajuda também o Executivo ainda não ter uma proposta pronta do que fazer.
Entretanto, o elemento de maior risco parece vir mesmo do cenário internacional. A probabilidade de uma desaceleração mundial mais intensa está cada vez maior e isso, por si só, poderá tirar ritmo de expansão da economia brasileira. Havendo desaceleração maior no mundo, o crescimento brasileiro tende a ficar na casa do 1,5% com a recuperação cíclica da demanda doméstica. Mas se for alarme falso e o mundo seguir em crescimento médio acima de 3%, o país poderá chegar aos 2% de expansão ano que vem.
De qualquer forma, parece certo que ano que vem o crescimento será mesmo maior do que este ano, salvo as surpresas que infelizmente têm acontecido com certa frequência no país.
Fonte: “Exame”, 21/10/2019