A economia reage com inflação baixa e aperto fiscal, mas a conversa eleitoral é outra
Seriedade, quem diria, pode gerar crescimento, emprego e renda, mas, segundo uma tese muito popular em Brasília, pode também atrapalhar uma eleição ou reeleição. A crença nessa tese é hoje, e provavelmente será na maior parte do próximo ano, a principal ameaça à recuperação da economia brasileira. A preocupação apareceu, mais uma vez, numa palestra da secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, em São Paulo. Depois de citar a melhora dos indicadores econômicos e os bons efeitos do esforço de arrumação das contas públicas, ela resumiu: “Disciplina fiscal rende, sim, crescimento sustentável”.
Mas será preciso, acrescentou, deixar essa mensagem mais clara para a sociedade em 2018, ano das próximas eleições. Falta saber quem se encarregará desse trabalho. Políticos em busca de votos para chegar ao Congresso ou lá se manter? Candidatos, ainda incertos ou desconhecidos, à Presidência da República? Provavelmente será muito mais fácil usar a linguagem populista, ou aparentada ao populismo, se a economia, como calculam muitos especialistas, ainda estiver crescendo na faixa, nada espetacular, de 1,5% a 2%. Muito mais trabalhoso será mostrar o avanço realizado a partir do fundo do poço e expor os fatos com racionalidade.
Os dados, no entanto, são simples e claros e têm sido divulgados, nem sempre com destaque, pelos meios de comunicação. Tome-se, por exemplo, a arrecadação federal de setembro. A parcela administrada pela Receita Federal chegou a R$ 103,89 bilhões, valor 8,68% maior que o de um ano antes, descontada a inflação. A soma foi levemente engordada por dois itens atípicos, a renegociação de dívidas fiscais em atraso, o chamado novo Refis, e o aumento do PIS/Cofins cobrado sobre combustíveis. Descartados esses componentes, sobraram R$ 98,26 bilhões, uma arrecadação 5,19% superior à de setembro de 2016.
Esse ganho é explicável, como indicou o relatório, por fatores como o aumento da massa de salários, o crescimento da produção industrial, o início de recuperação do varejo e a elevação das importações.
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Todos esses dados são indicadores da recuperação econômica. A reação começou no primeiro trimestre, puxada estatisticamente pela agricultura, e em seguida ganhou impulso com a movimentação crescente da indústria. A reação do consumo tem sido moderada, mas suficiente para mostrar os primeiros efeitos da melhora da renda familiar. Essa melhora explica os aumentos de arrecadação do Imposto de Renda retido na fonte e das contribuições pagas à Previdência.
No exame dos fatos geradores da arrecadação os técnicos da Receita Federal discriminam alguns dados de agosto, comparados com os de um ano antes. A lista inclui, entre outros itens, variações positivas da produção industrial (+3,97%), das vendas do comércio varejista (+5,77%) e da massa de salários (+4,87%).
Para compreender mais amplamente o quadro é preciso ir além dos detalhes destacados no relatório da Receita Federal. O aumento real da massa de salários é atribuível em parte à criação de empregos e em parte ao recuo da inflação. Desde o segundo semestre do ano passado os preços de bens e serviços consumidos pelas famílias têm subido muito mais lentamente do que haviam subido até a transição de governo. Isso se explica parcialmente pela recessão e, é claro, pela dura política de juros do Banco Central, atenuada de forma gradativa a partir de outubro do ano passado. Desde esse momento os juros básicos caíram de 14,25% para 8,25% ao ano e ainda poderão cair mais um pouco, talvez até 7%.
Nos 12 meses terminados em setembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) aumentou 2,54%, ficando pouco abaixo do limite inferior da margem de tolerância (3%). Além disso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, subiu apenas 1,63%. Isso significa menor corrosão da renda familiar e maior espaço, no orçamento, para a diversificação de despesas. Obviamente esse detalhe se reflete em maior demanda de bens industriais e de vários serviços.
Em agosto, a produção da indústria geral foi 4% maior que a de um ano antes. De janeiro a agosto superou por 1,5% a de igual período de 2016, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve condições, portanto, para a criação, de janeiro a setembro, de 81.523 empregos formais na indústria de transformação. O total gerado nos vários setores, em nove meses, chegou a 208.874 (diferença entre admissões e demissões). O acumulado em 12 meses continuou negativo (-466.654), mas esse buraco está sendo gradativamente fechado. O desemprego total continua muito alto, mas também tem diminuído, até mais velozmente do que se previa até há pouco.
A recuperação da economia tem ocorrido, em suma, com inflação declinante – e já quase civilizada – e enquanto o governo tenta arrumar as contas públicas, devastadas na administração anterior. O cenário desmente mais uma vez algumas velhas crenças da chamada heterodoxia – teses favoráveis ao desleixo orçamentário e à tolerância à inflação.
Disciplina fiscal, como disse a secretária do Tesouro, rende, sim, crescimento sustentável. O controle da inflação, acrescente-se, também favorece o aumento dos negócios e do emprego. Mas boa parte dos políticos mostra pouca ou nenhuma disposição para sustentar essa mensagem. Esse grupo inclui, naturalmente, muitos parlamentares da chamada base governamental.
Se esses decidirem deixar para depois a reforma da Previdência, o crescimento previsto para os próximos anos estará em risco. Na pior hipótese, os ganhos obtidos na área fiscal, na reativação econômica e no controle da inflação poderão ir pelo ralo. Os espertos arranjarão alguém para culpar, talvez os neoliberais ou os vilões do Império. Por que não?
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 22/10/2017
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