Seguindo a atual preferência popular na televisão, foi um show de realidade, muito melhor do que qualquer Big Brother. O repórter do Fantástico se passa por gestor de saúde e detona quatro quadrilhas disfarçadas de empresas fornecedoras de hospitais públicos que subornavam funcionários, fraudavam licitações e inflavam preços para roubar o contribuinte.
A mise-en-scène é moderna, mas os métodos são antigos e se espalham como um câncer nas administrações, só mudam os nomes dos malfeitores e dos partidos no poder, que não por acaso são sempre beneficiários de generosas contribuições das quadrilhas. Vai ser assim enquanto pessoas jurídicas – que não votam – puderem participar de campanhas eleitorais.
Os ramos de atividade são clássicos da gatunagem: coleta de lixo (esse pessoal ama o lixo, como negócio e metáfora), quentinhas de presídios (são os melhores clientes, não reclamam nunca), aluguel e manutenção de carros (em um ano recuperam o preço do veículo).
Roubar de hospitais, de crianças doentes, é repugnante, mas nada mais surpreende num país que já viu desbaratadas quadrilhas de funcionários, políticos e empresários que roubavam sangue, remédios para câncer e merenda escolar. Roubam de crianças, presos e doentes, e, num eufemismo delubiano, chamam de “ética do mercado”. No Brasil maravilha da propaganda oficial, é um show de realidade: com o país mais rico, rouba-se mais.
Mas este não é só mais um dos incontáveis episódios de suborno de gestores e roubo de dinheiro público, é um arquétipo documentado, um padrão que deveria ser estudado como um modelo, porque se reproduz de forma sistêmica em todo o Brasil, com a administração pública dominada – como nunca na história desse País – pelos interesses dos políticos e dos partidos.
Como é incontestável que a maior parte dos nossos representantes federais, estaduais e municipais é de baixo nível ético, como esperar que os ruins façam boas indicações? Você confiaria em alguém indicado por Sarney, Renan ou Jucá?
O castigo extra para os quadrilheiros cariocas vai ser comer a gororoba de preso que eles superfaturavam.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/03/2012
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