Até o começo desta semana, o senador Aécio Neves, em pleno exercício do mandato, manobrava junto ao presidente Temer para barrar a privatização de quatro usinas da Cemig, estatal mineira. Ontem, as estatais estavam vendidas, por R$ 12,1 bilhões, e Aécio era afastado do Senado e submetido a “recolhimento noturno” — obrigado a permanecer em casa durante a noite, tudo por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Não é coincidência. Trata-se de notável mudança, as duas histórias apontando numa mesma direção: mais um golpe na velha política.
A privatização tira das mãos dos políticos mineiros, de todos os partidos, o controle de parte significativa do importante setor de energia. As usinas eram “patrimônio do povo de Minas”, diziam eles. Na verdade, eram instrumento para nomear correligionários e controlar, sabe-se como, negócios bilionários.
O povo mineiro não perde nada nessa história. Até pode, e deve, ganhar, já que os novos donos terão que fazer investimentos para atualizar e modernizar as usinas. Mais negócios e melhores serviços, essa é a consequência mais provável.
Perda de soberania mineira? Outra bobagem, as usinas continuam onde estão e fornecendo a energia que a população precisa. Quem vai se importar em saber quem é o dono quando se liga o interruptor e a luz acende?
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Para a bancada mineira, sim, é um desastre. Para Aécio, um claro sinal de que as coisas para ele estão mesmo afundando. Nem o fato de representar o PSDB pró-Temer o salvou.
A Cemig é uma estatal do governo de Minas. As quatro usinas concedidas ontem haviam caído nas mãos do governo federal em consequência da política da ex-presidente Dilma. Essa política foi autoritária e equivocada, mas introduzida na base de lei, tanto que os tribunais decidiram, até aqui pelo menos, que aquelas quatro usinas poderiam ser concedidas pelo governo federal.
Além de batalhar na Justiça, o senador Aécio liderou manobras internas e chegou a propor uma solução típica da velha política. Assim: o BNDES, que é federal, emprestaria dinheiro para a Cemig ela mesma comprar as usinas por preço camarada. E como a estatal mineira pagaria? Em muitos anos, “entregando” ao governo federal a receita obtida com as usinas.
Em outras palavras: o governo federal doaria as usinas “na faixa”, utilizando recursos do BNDES, que vive do dinheiro dos trabalhadores brasileiros. E os partidos políticos mineiros continuariam no comando da estatal.
O negócio é tão difícil de defender que mesmo o presidente Temer precisando de votos na Câmara, e querendo ajudar Aécio, seu homem no PSDB, não conseguiu sustentá-lo diante da equipe econômica. E diante da opinião pública.
É verdade que a equipe do ministro Meirelles tem um importante argumento: precisa de dinheiro para fechar as contas e as concessões dariam uma ajuda. Como deram: R$ 12,1 bilhões.
Por outro lado, nestes tempos pós-PT, com as grandes estatais quebradas pelo partido que dizia ser o defensor do patrimônio nacional, fica mais difícil sustentar que a privatização causa prejuízo. Maior do que aquele feito pelos governos petistas? Impossível. E isso, sem contar a corrupção.
Eis como, num ambiente tumultuado, com políticos de todos os lados sendo apanhados pela Lava-Jato, e tentando barrá-la, acaba acontecendo um conjunto positivo: uma boa prática econômica, a privatização, um bom resultado fiscal para o governo federal e um golpe no modo de atuar da velha política.
Como se explica?
Um fator importante é a equipe econômica, que tem uma agenda clara de reformas liberais e privatizações. Mas essa equipe não teria condições de aplicar a agenda sem a força dos fatos revelados pela Lava-Jato. A exibição cruel da deterioração da velha política é, por si, o mais poderoso argumento pela mudança de padrões econômicos e éticos.
Eis o ponto: a Lava-Jato é um ativo brasileiro, o combate à corrupção impõe novas agendas.
E vamos reparar: é incrível como podem acontecer essas coisas positivas. A situação é complicada, mas essas privatizações de ontem (incluindo o leilão de blocos de petróleo), mais a queda de Aécio e a “recondenação” de José Dirceu constituem um avanço.
O Brasil tem jeito.
Fonte: “O Globo”, 28/09/2017.
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