A determinação da margem de juros (spread) bancária no Brasil depende de numerosos fatores. A demora em identificar esses condicionantes e atuar faz com que empresas, empregos e relações familiares sejam destruídos a cada dia que passa.
A variável mais importante é a tributação. Simulações ilustram bem por que. Supondo um banco que opere sem inadimplência, sem despesas operacionais, sem custos de captação, sem compulsórios e sem lucro e decida conceder a um cidadão um empréstimo a taxa zero, por um mês.
A casa bancária vai informar que a taxa é zero, o Banco Central vai divulgar que os juros são zero, mas o tomador de crédito terá um custo de 7,8% anuais. O motivo é que o IOF, que é descontado do financiamento, é considerado como sendo do cliente apenas. É um artifício semântico, único no sistema tributário nacional, que reduz a percepção do custo do crédito.
Três observações sobre este exemplo. Uma é a falta de transparência, o problema dos juros é maior do que aparece. Outra é que a taxa mínima imaginável (7,8%) a ser paga por um tomador de crédito no Brasil é superior à taxa média em outros 43 países, incluindo Austrália, Canadá e Suíça, ou seja, sem alterar a tributação os juros não cairão. A terceira é que nessas três nações, a concentração de ativos dos cinco maiores bancos é mais alta que no Brasil; portanto, a concentração não é a causa do crédito caro.
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Outra simulação, com dados mais realistas, supondo um custo de captação de 6,25%, uma alíquota de compulsório de 34%, um índice de eficiência operacional de 50%, uma inadimplência de 1% e uma margem líquida para o banco de 8%, será informado ao tomador uma taxa de 91%, mas que custará, ao incluir o IOF na conta, 105,9%.
Nessa operação, com hipóteses próximas da realidade brasileira, supondo uma concessão de R$ 660, o banco tem que captar R$ 1 mil, vai ficar com um lucro líquido no final do mês de R$ 3,06, o aplicador vai levar R$ 3,93, a inadimplência será de R$ 6,97 e o governo arrecadará R$ 9,69 em tributos, sendo: R$ 1,54 de PIS-Cofins, R$ 4,11 de IOF, R$ 1,14 do IR do aplicador, e R$ 2,51 de Imposto de Renda mais o adicional de IR e mais a CSLL do banco.
As duas simulações, que podem ser replicadas em qualquer computador, provam de maneira contundente o impacto da tributação no custo do crédito. São cinco tributos explícitos: IOF, IR, PIS, Cofins e CSLL, sobre quatro bases diferentes – juros, principal, prazos e lucro e outros tributos não explícitos, como os compulsórios e os créditos tributários, que têm um efeito perverso na eficiência da intermediação.
É um quadro que pode ser mudado com a adoção de cinco medidas. São elas: 1- zerar o IOF para operações de crédito; 2- acabar com o PIS-Cofins para instituições financeiras; 3- igualar e aumentar a alíquota do Imposto de Renda sobre aplicações; 4- tributar as exigibilidades dos bancos; e 5- zerar os compulsórios.
As primeiras acabariam com duas aberrações tributárias, o IOF sobre o crédito e o PIS-Cofins sobre a receita líquida, que é um “quanto pior melhor”, aumenta a arrecadação quanto mais altos forem os juros. Implicariam reduções de arrecadação que seriam compensadas com elevações induzidas pelas outras três medidas.
Aumentar a alíquota do Imposto de Renda sobre aplicações e acabar com as isenções e as alíquotas escalonadas para prazos é uma questão de justiça social. A tributação da renda fixa não pode ser mais baixa do que a do trabalho ou da produção de outros bens e serviços. Num primeiro momento, a medida deve ter oposição de rentistas, mas considerando a abundante liquidez sistêmica e o nível de taxas reais, não será um problema.
A tributação de exigibilidades dos bancos é feita em alguns países como Alemanha, Áustria, Bélgica e outros. Além da arrecadação adicional, apresenta uma vantagem prudencial, que é induzir a uma alavancagem mais baixa. Por último, sob a ótica estritamente tributária, o compulsório é contraproducente com inflação baixa.
Um ponto importante é a calibragem das alíquotas. Simulações de planilhas mostram que tributando a renda fixa em 30% e as exigibilidades bancárias em 0,35% ao mês, observar-se-ia uma redução considerável dos juros ao tomador, um aumento da rentabilidade e a manutenção e até elevação da arrecadação. As medidas dariam mais transparência, eficiência e transfeririam o ônus tributário do tomador para o aplicador.
Note-se que nas simulações, os resultados dependem das hipóteses assumidas sobre taxa de juros, inadimplência, carteira dos aplicadores e elasticidade juros da demanda de ativos, que são as mais realistas possíveis. Se forem consideradas as externalidades, os resultados melhoram.
Outras simulações, além destas duas, mostram que: a) o impacto da inadimplência, em função da tributação, é elevado e perverso; b) a taxa básica tem um efeito baixo na taxa final; c) com taxas de inadimplência e de juros mais altas, as distorções aumentam; d) os princípios da tributação de simplicidade, transparência, equidade e neutralidade não são respeitados; e e) a agenda BC+ pode ser aprimorada.
As medidas tributárias propostas podem ser adotadas rapidamente, dependem apenas do Poder Executivo. Há mais que pode ser feito para reduzir o custo dos financiamentos e melhorar a qualidade da oferta de crédito, como ajustes no cadastro de clientes, na certificação, na concorrência, na diluição de dívidas, na fragmentação dos relacionamentos, na indexação, na liquidez, na padronização, na precificação de operações, na proteção ao consumidor, no redesconto, na regulação, na renegociação institucionalizada, na responsabilização, nos subsídios cruzados, nos tabelamentos e na transparência.
Existe um grande potencial de contribuição do Sistema Financeiro Nacional ao crescimento do país que pode ser usufruído. Melhorar a tributação da intermediação seria um passo importante. Há como fazer com que o crédito deixe de ser um fardo e se transforme em um propulsor forte para o desenvolvimento do Brasil. É isso.
Fonte: “Valor Econômico”, 04/05/2018