Se o governo Bolsonaro deseja verdadeiramente aprovar as reformas tributária e administrativa, terá de superar a síndrome do pânico político. Tanto o presidente como a maioria dos seus ministros parecem comungar um certo horror à política.
Os sintomas são graves. Esboçam planos e propostas intramuros e recusam compartilhá-los com políticos porque temem que vazem para a imprensa e criem problemas para o governo. Revelam enorme dificuldade de negociar com o Congresso porque acham que a maioria só pensa em barganhas escusas que envolvam a troca de votos por liberação de verbas e de indicações para cargos. Por fim, não é incomum escutar a queixa de que estão com as mãos atadas nos ministérios porque a máquina pública está infestada de comunistas sabotadores que criam problemas para prejudicar um governo de direita e antipetista.
A síndrome do pânico político vem prejudicando o andamento das reformas tributária e administrativa. A equipe econômica perdeu muito tempo ao insistir na inclusão da péssima ideia de ressuscitar a famigerada contribuição sobre movimentação financeira (CPMF). Quando compreendeu que não tinha a menor chance de aprovar uma reforma tributária que incluísse o indigesto jabuti da CPMF, o governo desistiu de apresentar a sua proposta.
O Congresso, por sua vez, não perdeu tempo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apoiou o projeto do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), baseado na proposta do economista Bernard Appy; e o presidente do Senado, David Alcolumbre, ressuscitou o projeto do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Para evitar o trâmite de reformas paralelas, criou-se uma comissão mista no Congresso para conciliar os dois projetos. Eis que no momento em que o Parlamento busca uma proposta consensual, o governo resolveu tumultuar o processo, anunciando que enviará sua proposta ao Congresso.
Se não sofresse da síndrome do pânico político, buscaria articular com os líderes do Parlamento a criação de uma proposta que contemplasse os pontos essenciais da proposta do governo e os projetos do Congresso. Ganharia tempo e aumentaria significativamente a chance de ser aprovada com celeridade.
Na semana passada, outra confusão. O governo cometeu a insensatez de suspender o envio da reforma administrativa para o Congresso. Trata-se de uma medida vital para reestruturar a carreira do serviço público. Não há a menor possibilidade de melhorar a qualidade do serviço público quando os incentivos do sistema estimulam a inação do servidor e sua indiferença à qualidade do serviço público prestado à população. Hoje, a promoção na carreira e o aumento salarial do burocrata não estão vinculados ao seu desempenho, mas à progressão automática. Isso significa que tanto o bom como o mau servidor chegarão ao topo da carreira e receberão o mesmo salário.
A reforma administrativa é imprescindível para construirmos um sistema de incentivos virtuosos que valorize o bom servidor público. Sua ascensão na carreira deve ser determinada pelo seu desempenho nas funções e nos cargos que ocupou e pelo resultado de suas ações – e não por causa de progressão automática ou de indicação política. A existência de uma burocracia moldada pela excelência e eficiência é fundamental para destravar três grandes problemas que prejudicam o desenvolvimento do País.
O primeiro é a desigualdade social. No Brasil, as oportunidades e as diferenças sociais se acirram entre as pessoas que dependem do serviço público e as que podem contratar serviços particulares, de melhor qualidade. Portanto, é primordial oferecer serviço público de qualidade – como boa educação, saúde e segurança – para garantir a igualdade de oportunidades e a ascensão social das pessoas determinadas e talentosas.
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O segundo é a baixa competitividade do País. Além da saudável concorrência de mercado, o empreendedor brasileiro tem de lidar com uma burocracia ineficiente e incompetente, que drena recursos e tempo do setor produtivo e cria inúmeros entraves para empresários que querem investir e produzir. No peito dos nossos burocratas bate um coração que diz que tudo o que envolve mercado e atividade econômica deve ser imoral ou ilegal. Portanto, criar dificuldades e preterir decisões são atividades corriqueiras dos órgãos governamentais.
O terceiro é a situação calamitosa das finanças públicas. A despesa com servidores no Brasil consome R$ 300 bilhões por ano (13% do PIB). Se não aprovarmos a reforma administrativa, os Estados e municípios enfrentarão o colapso financeiro até 2022. Governadores e prefeitos serão obrigados a gastar o dinheiro dos nossos impostos exclusivamente com o pagamento de folha e benefícios de funcionários públicos. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a Prefeitura já consome 100% do IPTU para pagar a folha e benefícios do funcionalismo municipal.
Se o governo conseguir superar a síndrome do pânico político, verá que a boa política é uma bênção. O bom diálogo com os parlamentares pode melhorar a qualidade das reformas e evitar que o governo insista em medidas que prejudicariam a sua aprovação no Congresso (como foi o caso da CPMF). A negociação republicana entre os Poderes Executivo e Legislativo é parte integral da boa política. Aqueles que têm bons ouvidos e boa-fé podem aprender muito no processo negocial sobre as demandas legítimas, as queixas justificadas e as oportunidades de se construir laços de entendimento para aprovar as reformas do Estado.
Finalmente, a boa política contribui para resgatar o diálogo e a civilidade perdidos num país polarizado. Ela pode mostrar à sociedade que políticos com opiniões e visões diferentes podem sentar-se à mesa e debater as propostas de interesse nacional. Esse é o primeiro passo para resgatar a virtude da política.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 27/11/2019