A sucessão de Temer apresenta desafios ao PT e aos partidos de esquerda por se tratar de um jogo em dois níveis: o judicial e o eleitoral. A candidatura presidencial do ex-presidente Lula, por um lado, e sua eventual prisão, por outro, são eventos distintos que se conjugaram. No plano judicial, o que está em jogo desde setembro de 2016, quando a Justiça aceitou a denúncia do MPF contra Lula, é sua sobrevivência individual.
Aqui a estratégia perseguida é maximalista: confrontação aberta e mobilização para intimidar as instituições judiciais, com atuação inclusive na arena internacional. A aposta é que o que ocorre nesse nível terá repercussões positivas no plano eleitoral pela saliência da questão na opinião pública e pelo apelo da narrativa persecutória e de vitimização.
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No entanto, a estratégia judicial tem custos na arena eleitoral. No limite, ela implica mera denúncia do jogo institucional como farsa. E vice-versa: a estratégia eleitoral pode parecer capitulação na esfera judicial. Enquanto nessa esfera interessa ganhar tempo, na eleitoral se exigem definições já.
Na medida em que o tempo passa e tendo em vista as condenações na primeira e segunda instâncias, os ganhos são decrescentes e o saldo líquido já começa a ser negativo.
Isso se deve a dois fatores. Em primeiro lugar, as tensões produzidas pelo “sinistrismo”: uma regularidade apontada há 70 anos por Maurice Duverger na história dos sistemas partidários. Quando um partido conquista o governo e faz concessões, suas facções mais à esquerda têm incentivos a se autonomizar, podendo inclusive formar novos partidos.
Ocorreu quando a ala mais à esquerda do PT fundou o PSOL, em 2004, após a aprovação da reforma da Previdência (dando sequência à agenda do governo FHC). Partidos como o PSOL e o PC do B enfrentam questões relativas à sua sobrevivência futura, em um quadro de declínio importante do PT (que elegeu 92 deputados federais em 2002, número que poderá cair a menos da metade em 2018).
Em segundo lugar, os problemas de coordenação tornam-se proibitivos: lançar ou não candidaturas. Quanto mais tempo decorra para a indicação do candidato do PT, maiores os incentivos para candidaturas individuais dos partidos de esquerda. A fragmentação decorrente poderá inviabilizar a passagem de seus candidatos para o segundo turno. Há uma questão adicional: os custos de não ter candidato próprio para um partido que governou o país por 13 anos são elevados, o que pode levar a uma estratégia radical de confronto/recuo.
O campo da esquerda enfrenta dilemas que resultam do fato de que o PT se tornou refém de uma liderança e o jogo é disputado em duas arenas inconciliáveis.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 05/03/2018