Quando tratamos de uma febre, em geral a principal pergunta é qual a a sua causa. Em se tratando de inflação, os motivos do aumento de 12,04% da previsão do IPCA-15 para junho já estão sendo amplamente debatidos. Este artigo propõe-se então a discutir suas possíveis consequências.
Primeiramente, vale explicar que o IPCA-15, gerador do número em questão, é uma projeção da inflação mensal calculada com base na variação de preços de uma cesta de produtos consumidos por famílias brasileiras de 11 regiões metropolitanas com rendimento mensal entre um e 40 salários mínimos. A composição de produtos e serviços nessa cesta é baseada na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, que busca entender como o brasileiro gasta seu dinheiro. A partir dessa definição já se pode ver que a sua ou minha inflação pode ser (e provavelmente é) diferente do número divulgado. No entanto, a estatística serve como dado macroeconômico importante na tomada de decisões sobre gastos, investimento e planejamento tanto do Governo quanto das empresas e famílias.
Em teoria, um aumento de preços se torna mais grave ao passo em que se torna perene ou muito acentuado. Isso porque os contratos se adequam a sucessivos aumentos de preço, criando uma espiral inflacionária difícil de ser revertida. Essa inflação inercial foi vista no Brasil durante muitas décadas até a estabilização trazida pela introdução do Plano Real, em 1994. Quem está vendendo produtos passa a ter a expectativa de que haja aumento nos seus custos e, nesse cenário, se antecipar ajustando os preços de venda seria uma saída para o que parece inevitável. A lógica gera um aumento de rigidez nos contratos e a “indexação” com a inclusão de reajustes automáticos que acabam por “garantir” uma inflação mínima no próximo período. O inevitável se confirma e se reforça. Um dos grandes desafios que vivemos há mais de 30 anos é promover esta “desindexação” dos contratos e a liberalização dos preços para que reflitam melhor o equilíbrio de mercado.
Uma das estratégias tradicionais de combate à inflação, em particular quando ela é causada por efeitos de demanda (excessos no consumo, gasto público ou investimentos, por exemplo), é aumentar os juros pagos pelos títulos públicos (no caso do Brasil, a taxa SELIC). Isso faz com que os agentes econômicos optem por gastar menos, pois todas as taxas de investimentos financeiros ficam mais atrativas para se adequarem à nova remuneração proposta nos títulos públicos. Também faz com que as empresas e a economia real tenham um custo maior para se financiarem, restringindo o consumo de bens e serviços, assim como investimentos produtivos. A queda na demanda esfria a economia e reduz os preços, controlando a inflação.
Por parte do Governo – lembrando que hoje a política de juros é responsabilidade do Banco Central do Brasil (Bacen), que se tornou independente, e não do Governo – as estratégias de combate à inflação podem ser realizadas com redução de gastos e dívida pública. Há também as já comprovadamente fracassadas medidas heterodoxas que tentam travar ou reduzir preços por força, lei ou decreto. Essas tentativas se mostraram desastrosas diversas vezes e não apenas no Brasil, porém continuam reaparecendo como sugestões “criativas” ao invés da criação de um ambiente de negócios que traga segurança para que os preços sejam reduzidos por interesse do próprio mercado.
Os dois tipos de estratégias, monetária do Bacen e fiscal do Governo, são esperados pela sociedade, que se antecipa a elas. No caso dos juros, o mundo já vem reduzindo o volume de investimento produtivo em detrimento de títulos públicos desde que houve sinalização de uma política para conter a inflação não somente no Brasil, mas no mundo inteiro. Os impactos disso são vistos nos mercados, com investidores optando por títulos públicos em vez de ações em bolsa ou investimentos de risco. O caso das demissões dos quadros das startups que temos visto em 2022 é consequência direta da redução dos aportes de risco.
No caso das estratégias do Governo, no entanto, o que tem ocorrido é um aumento de gastos e tendência a “soluções criativas” – que podem simplesmente represar a inflação com consequências desastrosas no futuro próximo. A razão é o pleito eleitoral em outubro e a expectativa dos impactos que a política fiscal e os programas sociais possam ter no resultado das eleições. A estratégia é arriscada não somente do ponto de vista econômico, pois pode desencadear a espiral inflacionária vista no passado, mas também do ponto de vista eleitoral, considerando pesquisas que indicam que 3 entre 10 eleitores (e metade dos jovens em particular) podem mudar suas intenções de votos caso a inflação continue a subir.
Ao final e ao cabo, as consequências desta febre inflacionária, apesar de certamente serem negativas, vão depender principalmente das ações e atitudes do Governo, considerando que o Bacen tem tomado as medidas esperadas para segurar esta onda. O principal fator a se observar para acompanhar o desenvolvimento da situação é quanto esforço será colocado para segurar os preços no curto prazo ao invés de estabilidade de médio e longo prazo. Não causa espanto que o grande fator de risco aqui, como em geral o é no Brasil, é a disciplina e dedicação do Governo em cortar custos e controlar o orçamento público. Se o compromisso for com o futuro do país ao invés do ciclo eleitoral, os indicadores devem desacelerar e voltarem à meta em alguns meses.