Nem a neve faltou, neste ano, para realçar o jeitão suíço da campanha eleitoral. Quem acreditar em qualquer dos três principais candidatos não pode ter dúvida: falta pouco para o Brasil se tornar um tranquilo rincão alpino, já com uma forte base econômica e sem grandes problemas políticos e sociais. Não há democracia mais firme, nem grandes grupos comprometidos com projetos autoritários. Não há contas públicas mais seguras – vejam a buraqueira fiscal no mundo rico – e até a lucratividade dos bancos é festejada por antigos esquerdistas. Sem outras grandes preocupações, talvez algum bando de ultradireita comece uma campanha contra imigrantes pobres – mas só depois das eleições.
Enquanto isso, os candidatos mais cotados para a Presidência dedicam-se a recitar promessas de varejo: distribuição de medicamentos para isto ou aquilo, mais cirurgias eletivas, bibliotecas para as escolas, mais professores nas salas de aulas, mais cursos técnicos, mais lazer e um monte de outras maravilhas. Ninguém prometeu, por enquanto, imprimir histórias em quadrinhos com tábuas de logaritmos, nem subsidiar a fabricação de chinelos antijoanetes, mas ainda há tempo para isso.
Talvez os candidatos estejam certos. O governo continua com mais de 70% de aprovação, a economia cresce, a inflação parece acomodada e discussões mais complexas podem aborrecer os eleitores. A qualidade do regime não é um grande assunto no Brasil e as condições na economia nos próximos dois ou três anos são um tema abstrato e fora do repertório comum.
As disputas mais duras, até agora, têm escorregado para a comparação entre os governos Lula e FHC. O candidato José Serra não conseguiu evitar essa armadilha, embora tenha adotado, há pouco tempo, uma estratégia mais agressiva em relação ao governo petista. Quando a conversa vai para as comparações, ele e sua adversária Dilma Rousseff se empenham na enumeração varejista dos feitos de cada presidente. Ninguém discute seriamente as questões de maior alcance e menos populares, como a orientação das políticas de longo prazo e a pauta de reformas. A candidata Marina Silva, promissora no começo da campanha, perdeu parte do impulso e participa do jogo da miudeza – quando não recai na conversa monotemática da política ambientalista.
O eleitor mais informado e mais preocupado com a democracia e com a segurança econômica de médio prazo tem motivos para sentir-se no escuro e em zona perigosa. Quem valoriza as liberdades democráticas deve ter na memória os ataques dos últimos anos – as tentativas de controle da imprensa, ainda não abandonadas, o recurso abusivo às medidas provisórias, o estímulo ao peleguismo, a cooptação dos chamados movimentos sociais, o aparelhamento do governo e o loteamento de cargos.
Congressistas foram capazes de neutralizar alguns desses assaltos, mas também foram omissos em muitas situações. Seria enorme a lista das medidas provisórias sem a urgência e a relevância requeridas pela Constituição. Os parlamentares poderiam tê-las devolvido ao Executivo, liminarmente, mas nunca se organizaram para exercer essa prerrogativa. Aceitaram, quase sem reagir, a usurpação de poder.
Em relação à economia, os principais candidatos prometem manter as políticas de estabilidade fiscal e monetária, o apoio à modernização produtiva e as ações a favor dos mais pobres. Mas tudo se passa como se não se acumulassem graves problemas. Não é preciso ser muito atento para ver a piora do quadro fiscal, o engessamento cada vez mais amplo das finanças públicas, a carência de infraestrutura, o despreparo da mão de obra (falta gente em condições até de ser treinada no trabalho), a erosão do superávit comercial e a rápida expansão do buraco na conta corrente do balanço de pagamentos. Todos esses problemas afetam o curto e o médio prazos.
Para complicar o quadro fiscal já inseguro, o País está comprometido com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. O Tesouro e o BNDES vão intervir, com certeza, no financiamento das obras – várias delas muito caras e de utilidade muito discutível, como a do trem-bala. Entre os problemas de longo prazo alguns se agravam de forma indisfarçável. Os primeiros números do Censo já confirmam uma nova configuração das famílias. Diminui a proporção entre contribuintes e beneficiários da Previdência e será impossível esquecer o assunto nos próximos anos. Quem se dispõe a discutir essas questões, neste Brasil de maravilhas onde só faltam as vaquinhas alpinas com o sininho no pescoço?
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 18/08/10
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