Os sistemas políticos democráticos têm se defrontado com intrigante questionamento estrutural: por que candidaturas radicais de esquerda e de direita estão se tornando projetos eleitorais majoritários? Terão as sociedades políticas contemporâneas perdido o eixo da razoabilidade e do bom senso? Qual será o motivo da elevação dos extremos? Estaremos condenados a uma época de intransigente radicalismo ferino, ao invés de postulados racionais de entendimento e composição de diferenças? Enfim, por que a estupidez parece governar o mundo?
As perguntas acima ardem em ferro quente, provocando intenso debate na classe intelectual pública e acadêmica. Ilustrativamente, personalidades do quilate de Larry Diamond, Moisés Naím, Yascha Mounk, Daron Acemoglu, Fareed Zakaria, Niall Ferguson, Harry Frankfurt e, naturalmente, a sabedoria poliédrica de Henry Kissinger estão se debruçando sobre tais temas incandescentes. Na busca das melhores respostas, as dúvidas seguem desafiando o pensamento superior.
O fato é que a absoluta hegemonia americana conquistada pós-queda do Muro de Berlim pertence ao passado. O corrente tabuleiro geopolítico pulsa, rompendo a estabilidade proporcionada com o superado cenário hegemônico unilateral. Sem cortinas, os mais de 25 anos capitaneados pelo superpoder Yankee, amparados em premissas de liberdade econômica e segurança jurídica em suas múltiplas facetas, possibilitaram impressionante e inédito desenvolvimento econômico-social à humanidade, com incrementos sensíveis à qualidade de vida e bem-estar das pessoas.
Paralelamente, o naufrágio da mentira socialista – amplificado em cores nas tragédias soviética, cubana e venezuelana – deixou uma legião de órfãos ideológicos mundo afora. E, como toda ideologia burra é orgulhosa de seus erros, não há espaço para o aprimoramento intelectual em favor de melhores ideias. Assim, o esquerdismo mundial patina entre pó e cadáveres, louvando assassinos como revolucionários e autocratas corruptos como vítimas de perseguições indevidas. Despidos de coragem moral para aceitar a realidade histórica, mentem ostensivamente em praça pública, pois incapazes de conviver com a responsabilidade ética e o dever da verdade.
Por sua vez, apesar de suas autoevidentes vantagens comparativas, cumpre assinalar que o capitalismo não é uma engrenagem perfeita, mas dotada de insuficiências e assimetrias importantes. Mesmo imperfeito, é infinitamente melhor que qualquer moedor socialista arbitrário. Todavia, se realmente queremos aperfeiçoar o sistema, não podemos recair no erro do esquerdismo cego e tacanho, incapaz de qualquer exercício de autocrítica válida.
Ora, alguns resultados indesejáveis estão postos: o achatamento da classe média e o aumento da desigualdade, a falência da escola pública, o alto endividamento familiar, o aumento do custo de vida e, agora, a ameaça inflacionária global. Isso são fatos, e não meras ilusões retóricas. Logo, é preciso endereçá-los com seriedade, olhar com firmeza nos olhos das pessoas e passar confiança de que, com trabalho honesto e união cívica, é possível transpor dificuldades em favor de uma vida em sociedade harmônica e com melhores oportunidades para todos.
O problema é o déficit de credibilidade das instituições públicas. Infelizmente, a política democrática, por seus graves anacronismos institucionais, vem perdendo força persuasiva, criando dissensões internas e crescente sentimento de insatisfação coletiva. Aos poucos, as dificuldades da vida vão gerando uma sensação de raiva e revolta, abrindo o flanco para lideranças hostis que, sem privilegiar a razão pensante, externam discursos de força, aquecendo, com o manto do radicalismo, o germe das angústias do momento. E a História ensina que o calor radical pode fazer crescer as piores bestialidades humanas.
Aqui chegando, muitos afirmam, em tom alarmante, que a democracia está em risco. Tal risco, todavia, é inerente à estrutura do poder democrático com seus cambiantes arranjos de composição de forças. Por assim ser, entrechoques institucionais – mesmo agudos e frontais – fazem parte do jogo e são traço de relevo das atuais sociedades em redes. Desta forma, a questão nodal não está na conflitividade política, mas no abuso da mentira e do consequente apagar de referenciais éticos limitadores do poder. As seguintes ilustrações pintam o cenário febril: dizer que se defende a Constituição para promover injustiças; ser corrupto e se apresentar como candidato à Presidência da República; prometer em campanha romper com o pântano da política e, uma vez no poder, se unir umbilicalmente àquilo antes criticado. A lista é longa, mas por hoje basta.
No apagar das luzes, a estupidez – seja ela corrupta ou hostil – sempre precisa da mentira para governar. E, quando o dever da verdade se ausenta da consciência do poder, preocupantes nuvens sombrias se erguem no horizonte democrático.