Recebi recentemente um desses e-mails apócrifos em que o autor destilava sarcasmo pelo fato de que os Ronaldinhos Gaúchos e Tiriricas da vida, embora semianalfabetos, têm rendimentos muitas vezes superiores aos dos professores e outros profissionais dedicados e muito mais importantes para a sociedade.
Quem quer que tenha elaborado aquela mensagem confundiu – provavelmente sem se dar conta – diferentes conceitos de mérito. Na sua acepção mais comum, o mérito está intimamente ligado a esforço, empenho, dedicação. Embora tais qualidades sejam moralmente elevadas, não são suficientes para determinar o sucesso ou fracasso de ninguém. O êxito individual é derivado principalmente de um tipo de mérito diferente, intimamente relacionado com produtividade, com resultado, com eficiência para satisfazer os desejos e necessidades dos outros.
Alguns enriquecem sem ter sequer estudado, e não necessariamente através do esporte ou das artes. Não poucos empreendedores são ou foram semianalfabetos, mas descobriram a fórmula mágica de satisfazer os consumidores. Por outro lado, não são raros os indivíduos extremamente letrados e dedicados que mal conseguem obter o suficiente para bem viver. Na verdade, esforço e dedicação, embora sejam virtudes altamente meritórias, no sentido moral do termo, podem ser um completo desastre econômico, enquanto o sucesso pode ser resultado fortuito de um acidente ou de condições inatas.
Profissionalmente, quase todos nós agimos com vista a alcançar os melhores resultados econômicos. Ocorre que estes resultados dependem principalmente da avaliação que os outros fazem do produto do nosso trabalho. Portanto, o preço de determinada mercadoria ou serviço independe do esforço realizado na sua produção, mas de fatores outros, como gosto do consumidor e escassez, por exemplo.
De fato, nobres virtudes e esforços podem desaguar em completos desastres econômicos. Eu posso passar uma vida inteira trabalhando, de sol a sol, sem conseguir grande coisa, ao passo que você pode encontrar um belo diamante ao acaso, sem qualquer esforço, ou ficar milionário com uma simples idéia.
Foi a sociedade quem livremente decidiu avaliar o jogador de futebol e o palhaço citados no referido e-mail com mais generosidade que os professores, de acordo com as leis econômicas da escassez e de oferta e demanda. Aqueles dois indivíduos não têm culpa de ter um talento raro e demandado. Usar a coerção estatal para tentar igualar os ganhos deles aos dos professores (que é mais ou menos a mensagem subliminar embutida no texto) é a garantia da destruição da liberdade.
Por que o Neymar ganha mais que a maioria dos outros jogadores e demais profissionais? Simplesmente porque, dentro das quatro linhas, sujeito às mesmas regras, ele consegue achar soluções, antever jogadas, executar dribles, fugir da marcação, etc., melhor do que os outros. Nele se concentra uma miríade de talentos que o transforma no atleta único que é. Há alguma injustiça nisso? Deveríamos, por acaso, obrigá-lo a entrar em campo com uma das pernas engessada para que se igualasse aos infelizes pernas-de-pau? Ou será que deveríamos estabelecer que o seu salário fosse exatamente igual ao de todo mundo e não de acordo com a sua capacidade e produtividade?
No futebol, assim como na vida, ninguém gosta de “juiz ladrão”, certo? Errado. A turma do igualitarismo adora manipular os resultados, mexer nas regras do jogo. Eles sabem que não se pode esperar resultados equivalentes quando os indivíduos estão sujeitos às mesmas regras e normas de conduta e que, portanto, a única maneira de atingir o sonho da igualdade é por intermédio do tratamento desigual. Estão perfeitamente cientes de que quando prevalece a verdadeira justiça – igualdade de todos perante a lei -, não há espaço para se pensar em igualdade de resultados.
Por isso, a meritocracia que nós liberais defendemos é esta: ausência de privilégios, ausência de tratamento diferenciado para igualar desiguais, em síntese, ausência de interferência do governo para reparar supostas “injustiças”, derivadas exatamente do fato de que, na vida, os resultados não têm necessariamente relação com as nobres virtudes.
Como bem lembra Hayek, uma sociedade na qual a posição social dos indivíduos corresponde à ideia humana de mérito moral seria o exato oposto de uma sociedade livre. Em tal sociedade as pessoas seriam recompensadas não pelo sucesso alcançado, mas pelo esforço empreendido. Neste sistema, cada movimento seria guiado pelo que os outros achassem correto fazer e não pelo risco e a responsabilidade individual de cada decisão.
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Ah, que legal, o sistema de castas dizia a mesma coisa.