A alta complexidade do sistema tributário tem despertado muito interesse em sua reforma. Espera-se, agora, que o governo Temer promova as mudanças e nos livre das distorções provocadas por tributos disfuncionais e caóticos que freiam o crescimento e a geração de bem-estar. Acontece que não é trivial melhorar o sistema.
Isso não depende apenas de vontade política, como se pensa. Requer bom diagnóstico, liderança política e adequada formulação de propostas. Pressupõe conhecimento de questões técnicas, da realidade das finanças públicas e das razões que explicam a bagunça dos dias atuais.
Comecemos pela mais ingênua das propostas, isto é, a de resolver o problema com um imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição. A progressividade do sistema aumentaria, pois só os ricos seriam alcançados. Só que esse imposto não deu certo em nenhum lugar. Seu poder de arrecadação é baixíssimo (1% a 2% do PIB). A cobrança é complexa e pode custar mais do que a receita. Costuma provocar fuga de capitais e de cérebros do país. Ainda que encante muitos, esse imposto seria um equívoco.
Não tão ingênua, mas igualmente irrealista, é a ideia de elevar a receita tributária com aumento das alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas (IRPF). A medida alcançaria apenas os assalariados mais bem remunerados, pois a maioria dos contribuintes paga como pessoa jurídica. A progressividade aumentaria, mas seriam necessárias alíquotas exorbitantes para ampliar a receita do Tesouro. Isso porque a Constituição e suas emendas reduziram o poder de arrecadação do imposto de renda.
De fato, 49% da arrecadação do imposto é transferida para estados, municípios e fundos regionais de desenvolvimento. Do que resta, 18% são aplicados obrigatoriamente em educação. Sobram 34,7% – na realidade menos, pois uma parte do saldo é gasta mandatoriamente em saúde. Seria preciso cobrar o triplo do necessário.
Foi por isso que a União passou a recorrer a contribuições (PIS, Cofins, Cide) para financiar as crescentes despesas sociais criadas pela Constituição e agravadas por substanciais aumentos do salário mínimo, que reajusta 70% dos gastos previdenciários. É que 100% das contribuições ficam com o governo federal.
Antes, pois, de se pensar em aumentar o IRPF, é preciso redefinir a forma de partilha de tributos arrecadados pela União, que hoje se concentra no IRPF e no IPI. O certo seria estabelecer um porcentual incidente sobre qualquer tipo de arrecadação tributária, o que tornaria indiferente a escolha caso fosse preciso elevar a carga tributária. A tendência seria recorrer a tributo que associasse eficácia de arrecadação e eficiência econômica, isto é, a menor distorção possível.
Outro mito é o da redução da carga tributária, argumentando-se o peso excessivo da carga sobre as empresas. Outra distorção compara a arrecadação com a qualidade dos serviços públicos, por não corresponderem ao que o governo extrai da sociedade. Por último, há a falta ideia de que uma carga menor é capaz de conduzir a uma melhora na alocação dos recursos.
Ainda que esses argumentos tenham certa procedência, a carga tributária é efeito, e não causa. Ela reflete a necessidade de financiar despesas obrigatórias que representam mais de 90% da arrecadação. A União não aumentou a carga para gastar mais. A despesa nasceu antes, na Constituição.
Antes de pensar em reduzir a carga tributária, será preciso diminuir os gastos obrigatórios, o que exige complexas mudanças na Constituição. Sem atacar as fontes de gastos permanentes, uma redução da carga obrigaria o governo a recorrer a endividamento ou a emissões inflacionárias de moeda, mais danosas do que arrecadar tributos.
Não é fácil. Os mitos sobre a reforma tributária têm origem na impaciência com as complicações e os enormes custos do sistema. Mais recentemente, a demanda de reforma aumentou diante da percepção de que parte da arrecadação é desperdiçada pela incompetência ou desviada pela corrupção.
A reforma tributária é ao mesmo tempo complexa e necessária. Não pode ser alimentada de mitos.
Fonte: Veja, 15/06/2016.
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