A ciclópica crise que vivemos está desnudando a vida política do Brasil.
As boas notícias. Jamais houve golpe, no País, sem a participação dos militares. Hoje as Forças Armadas desempenham papel estritamente profissional, sem nenhuma pretensão política.
Déficit de cidadania é traço marcante da democracia brasileira. Em raros momentos o povo foi às ruas para revelar sua vontade. Desde 2014, percebe-se que algo mudou e as manifestações populares passaram a vocalizar o inconformismo do povo contra a corrupção e o desgoverno. Até bem pouco tempo, ninguém poderia imaginar eficácia no enfrentamento da corrupção. A Operação Lava Jato está demonstrando que esse objetivo é factível.
As más notícias. A violência, que já faz parte do cotidiano dos brasileiros, transferiu-se para a política. Nas ruas e nas redes sociais, há uma preocupante polarização, que foi precedida pelo recorrente discurso do “nós contra eles”.
Se nas ruas as agressões físicas e os atentados ao patrimônio se converteram em rotina, nas redes sociais sobressaem a difamação, a adulteração de textos e imagens e a desqualificação, por mera divergência de opiniões, de virtudes intelectuais e artísticas.
O debate político em torno do afastamento ou não da presidente Dilma é recheado de sofismas e desvarios.
Obviamente, não vai haver golpe. Não há golpe quando se recorre a institutos abonados pela Constituição, observados ritos reconhecidos como constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
É evidente que não há impeachment sem crime de responsabilidade. Esse juízo, porém, é feito por quem julga – no caso, o Congresso Nacional –, e não por quem é acusado. Pesquisa com condenados, numa penitenciária, iria concluir que todos são inocentes.
Alguns demandam a renúncia do presidente e do vice-presidente. Renúncia é ato de vontade unilateral. Não se exige, mesmo porque há risco de ver essa pretensão ser rechaçada com um rotundo não.
Outros bradam a bandeira das eleições gerais, que se presume alcançar todos os mandatos eletivos. Essa ideia já foi suscitada no governo militar. Ganhou o merecido apelido de “Emenda Jim Jones”, por referência a um líder religioso que se suicidou na Guiana, em 1978, e levou consigo todos os seus seguidores, na esperança de um encontro no Paraíso.
Receio de que uma emenda constitucional que venha a cassar todos os detentores de mandato eletivo venha a ser tida como inconstitucional, por ofender a soberania popular, sabendo-se que mandatos só são revogáveis nas hipóteses já previstas na Constituição.
Parece-me que a proposta é mera manobra diversionista ou expediente de conveniência para pretensões eleitorais. A tese se habilita, com mérito, a troféu no torneio das ideias ruins.
O futuro. Arrisco-me a imaginar dois cenários possíveis: a agonia prolongada ou a transição dolorosa.
Se não ocorrer o afastamento da presidente no curto prazo, teremos uma agonia prolongada. A crise econômica não vai ceder, podendo aumentar, caso se recorra a pajelanças. As manifestações de hostilidade ao governo continuarão fortes. O ministério, que se prenuncia, vai dar a concretude ao “governo dos piores” (a “kakistrocracia”, para utilizar a expressão cunhada por Michelangelo Bovero).
Caso o vice assuma a Presidência, haverá uma transição dolorosa. Os defenestrados não darão trégua. Sindicatos e movimentos autodenominados sociais, financiados com dinheiro do imposto sindical e subsídios do governo, usarão de todos os recursos para infernizar a vida dos novos governantes. Os partidos apeados do poder vão recorrer a um discurso de vitimização, que incluirá a falsa alegação de golpe.
Um alento inicial, que decorreria do restabelecimento de expectativas no mercado, pode ser seguido de uma frustração dos que demandam mudanças rápidas, inviáveis no curto prazo.
A superação da crise vai requerer talento, habilidade e transparência. E, sobretudo, respeito à lei e às decisões judiciais. É assim que funciona no Estado Democrático de Direito.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 07/04/2016.
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