Desde a edição do Decreto 8243, aflorou nos jornais intenso debate sobre a participação da sociedade civil nas políticas públicas, com severas críticas a essa participação, que afrontaria o parlamento e a democracia.
A legitimidade da atuação dos cidadãos na esfera pública mais além do voto em eleições periódicas foi introduzida em 1945 no ordenamento jurídico mundial pela Carta das Nações Unidas, que garantiu aos indivíduos o direito de interagir no âmbito internacional não apenas por meio de organizações governamentais, mas também por meio de organizações não-governamentais. Ao cunhar essa (hoje) tão conhecida expressão, a Carta reconheceu que a esfera pública era maior do que a governamental.
Desde então, diversas leis, e em alguns casos, a própria Constituição, asseguraram a participação da sociedade civil brasileira em políticas públicas afetas a muitos temas: direitos humanos, seguridade social, assistência social, crianças e adolescentes, jovens, idosos, refugiados, pessoas portadoras de deficiência, negros, mulheres, saúde, educação, cultura, esporte, direitos difusos, meio ambiente, consumidor, segurança pública, política agrícola, desenvolvimento do Centro-Oeste, política e mobilidade urbanas, trânsito, telecomunicações, informática e automação, comércio exterior e, até, em estatísticas oficiais.
O debate, portanto, não deve se cingir à participação além do parlamento, mas à forma como isso se dá; e aqui temos equívocos, pontos positivos e pontos a aprimorar. O primeiro equívoco é imaginar que a participação da sociedade civil deve ficar restrita ao parlamento. Nosso sistema legal prevê muitas outras formas de participação, notadamente por meio de conselhos e de audiências públicas, essas últimas adotadas, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal em temas de grande impacto na sociedade civil. Diversos juristas que criticam essa participação representaram organizações da sociedade civil nessas audiências públicas e em amicus curiae em processos judiciais naquela Corte, influenciando, assim, políticas públicas.
O segundo equivoco está, porém, no próprio Decreto 8243: se ele visa os conselhos já existentes e regulamentados por decretos específicos, é redundante; podemos ir, até, mais além para considerá-lo genérico, pois não considera as especificidades e assimetrias dos atuais conselhos. Se ele cria novos conselhos, destoa de todos os existentes, que foram criados por lei.
Mas há pontos positivos e o mais importante, para nossa Democracia, é aproximar as instâncias de poder das “bases” ou da “voz rouca das ruas”. Há muito se critica a forma como os partidos, os parlamentares e a máquina pública decidem onde gastar os recursos do orçamento, arrecadado com impostos cobrados da sociedade civil. Aqui, há muito que aprimorar. Um passo fundamental seria alocar mais recursos do orçamento para a estrutura dos atuais conselhos, que vivem à míngua e incapazes de cumprir os papéis que lhes foram atribuídos por lei, e, portanto, pelo parlamento. Outro, igualmente importante, seria fazer com que os Ministros de Estado abrissem espaço em suas agendas para dialogar de fato com os conselhos já existentes nas áreas afetas ao seu campo de atuação. Se o governo federal quer estimular a participação da sociedade civil, esse seria o caminho a tomar.
O que os candidatos propõem para o diálogo do Estado com a sociedade civil? Podem se satisfazer com o voto, mas, e nós, queremos apenas isso?
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