Pelo estrago anunciado após a leitura do parecer do então relator Carlos Ragazzo, no início de junho, a decisão final do Cade em relação à BRF não poderia ter sido melhor. Na votação de ontem, outros quatro conselheiros do órgão desconsideraram o relatório de Ragazzo e entenderam que a Sadia e a Perdigão podem, sim, se fundir em torno da maior produtora de carne de frango do mundo.
Para existir, a BRF terá de abrir mão de alguns itens da marca Batavo (que se concentrará em sua atividade original, de laticínios) e, também, de produtos comercializados com a marca Perdigão, como tortas, empadas e pizzas prontas.
Mas naquilo que é essencial (ou seja, na capacidade de atuar em larga escala num dos ramos mais competitivos da indústria de alimentos: a produção de carnes e derivados de aves e de suínos), a empresa será preservada, o que a manterá em condição de brigar com os grandalhões do mercado mundial. Esse é o ponto que realmente interessa.
Ao rejeitar por 4 a 1 a ideia de Ragazzo (de quem, por sinal, partiu o único voto contrário à solução de bom senso), pode-se dizer que o colegiado do Cade livrou o Brasil da falência estrondosa de uma de suas companhias mais tradicionais e de um vexame espetacular.
O parecer do relator propunha e tão somente a proibição da fusão entre a Sadia e a Perdigão. Tudo o que foi feito desde a fusão, em 2009, voltaria à estaca zero. O contrato deveria ser rasgado – a despeito dos transtornos que isso traria para os empregados, os produtores integrados, os fornecedores, os milhares de acionistas e os milhões de clientes da empresa.
As vendas ao exterior do terceiro maior exportador brasileiro perderiam a força e, o que é pior, a saúde das companhias ficaria seriamente comprometida. É provável que, separadas as empresas, a Sadia, que vivia sérias dificuldades antes da fusão, não conseguisse se equilibrar sobre as próprias pernas e desaparecesse.
Isso sem falar (e esse é um aspecto positivo a ser ressaltado) na exposição do Brasil ao ridículo de querer, em pleno século 21, revogar os princípios elementares da lei do mercado.
Como na velha anedota do ditador que decidiu revogar a Lei da Gravidade apenas para provar que, no Brasil, era ele quem mandava, o Cade queria (talvez por não entender que as empresas de grande porte só se mantêm grandes quando não contrariam o consumidor) simplesmente negar à Sadia e à Perdigão o direito de serem grandes. Seria o maior dos absurdos.
Ter um órgão regulador da concorrência que jogue a favor do mercado e de todas as partes que o integram, como se sabe, é necessário para um país que luta por espaço no mercado mundial.
Mas, infelizmente, muita gente por aqui (e esse parece ser o caso de alguns dos integrantes do Cade) ainda vê no mercado moderno resquícios das feiras de interior – onde se trocava farinha de mandioca por carne e galinha viva por sal e açúcar.
A decisão do Cade mostra que, pelo menos no que diz respeito ao mercado de alimentos, o Brasil poderá ter marcas de dimensão global. Pode parecer pouco, mas não é. Com a decisão de ontem, o Brasil ficou menos atrasado.
Fonte: Brasil Econômico, 14/07/2011
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