Não faz muito tempo que o termo fake news passou a fazer parte do vocabulário de qualquer brasileiro, tornando-se uma das expressões mais usadas dentro e fora das redes sociais. Em tempos de coronavírus, em que a informação confiável é crucial para salvar vidas, o combate a esse fenômeno se tornou ainda mais importante.
Mas as chamadas fake news voltaram às manchetes nos últimos dias por conta de outros três motivos: as ações do coletivo digital Sleeping Giants Brasil, grupo que alerta empresas da presença de seus anúncios em sites com conteúdo duvidoso e preconceituoso; a operação da Polícia Federal no âmbito do chamado “inquérito das fake news” do Supremo Tribunal Federal (STF), e a votação do projeto de lei 2630/2020, de mesmo tema, no Senado, adiada
Não faz muito tempo que o termo fake news passou a fazer parte do vocabulário de qualquer brasileiro, tornando-se uma das expressões mais usadas dentro e fora das redes sociais. Em tempos de coronavírus, em que a informação confiável é crucial para salvar vidas, o combate a esse fenômeno se tornou ainda mais importante.
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Mas as chamadas fake news voltaram às manchetes nos últimos dias por conta de outros três motivos: as ações do coletivo digital Sleeping Giants Brasil, grupo que alerta empresas da presença de seus anúncios em sites com conteúdo duvidoso e preconceituoso; a operação da Polícia Federal no âmbito do chamado “inquérito das fake news” do Supremo Tribunal Federal (STF), e a votação do projeto de lei 2630/2020, de mesmo tema, no Senado, adiada para a próxima semana.
Os três assuntos, aliados a todo o cenário de abundância de informação em que vivemos, trazem um grande desafio: como combater as fake news sem que direitos sejam retirados e, ao mesmo tempo, tenhamos um ambiente informacional mais saudável?
O debate em torno de denúncias e medidas restritivas em relação à criação, publicação e compartilhamento de conteúdos falsos é complexo porque esbarra em questões fundamentais. A primeira é a própria definição do que seriam fake news, uma vez que o conceito, tão desgastado, alargou-se de tal forma que significa um vasto leque de coisas, que vão de golpes virtuais a memes divertidos, passando também por opiniões com as quais o interlocutor não concorda e por uma forma eficaz de desqualificar o trabalho da imprensa profissional.
A segunda questão crucial nessa discussão é, obviamente, o possível cerceamento da liberdade de expressão, direito constitucional garantido a todo cidadão brasileiro desde 1988. É evidente que ela não representa um salvo-conduto a ofensas e nem pode servir de escudo para a disseminação de discurso de ódio, inverdades ou práticas intolerantes —afinal, liberdade de expressão não pode ter limites, mas tem consequências. No entanto, em um estado democrático, em que a liberdade de opinião, de escolha e o livro arbítrio são cláusulas pétreas, não pode haver margem para qualquer tipo de censura.
Esses dois aspectos cruciais do debate em torno da desinformação, palavra mais adequada para classificar o fenômeno das fake news que manipula e confunde tanta gente, não podem estar desvinculados de outro fator primordial: a educação midiática.
Vivemos em uma sociedade hiperconectada em que todos produzem e consomem conteúdos o tempo todo, fazendo com que o excesso de opiniões disponíveis sejam um desafio à nossa percepção. Fatos são confundidos com posicionamentos e há a exigência de interpretarmos a intenção, a autoria e o contexto de cada mensagem que recebemos, com o intuito de não curtirmos, comentarmos e compartilharmos mentiras ou conteúdos tóxicos sem saber.
Tal cenário exige uma nova alfabetização, uma educação compatível com essa realidade ultraconectada. Não adianta tratarmos dos sintomas se não prevenirmos a doença, pois estaremos enxugando gelo. Para cada “fake news” tirada do ar em uma rede social, o que será feito com o print dela disseminado por milhares de grupos de WhatsApp?
Ser um usuário da internet e das plataformas sociais exige mais do que uma conexão, um celular, logins e senhas. É preciso ter ética, senso crítico e, principalmente, responsabilidade para navegar na rede, identificando charlatões, teorias da conspiração, boatos, caça-cliques, pishing e tantas outras armadilhas que nos cercam, que vão muito além das notícias falsas.
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Os exemplos acima fazem parte do conjunto de habilidades que compõe a educação midiática: saber acessar informações, conseguir analisá-las corretamente e conhecer as técnicas de criação e produção de mensagens. Em suma: ter senso crítico e saber como participar do mundo conectado de forma ética e responsável. Estes são fatores fundamentais e ferramentas que empoderam o cidadão e reforçam seu papel na sociedade.
O problema da desinformação é complexo e, infelizmente, não existe solução mágica ou bala de prata. Também não poderá ser plenamente resolvido a partir de uma lei. Exige sim um acordo social, um esforço coletivo que precisa começar desde cedo, nas famílias e principalmente nas escolas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já tem o arcabouço necessário para isso, contemplando a educação midiática de maneira transversal. É preciso colocá-la em prática.
Caso não formemos crianças e jovens midiaticamente educados, estaremos apenas perpetuando o problema. Como ressaltou o ministro Luiz Roberto Barroso, ao assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), instituição que vem atuando fortemente contra a desinformação, “a educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência”. E a educação midiática, que contempla inteiramente essas três dimensões essenciais para exercermos a cidadania em sua plenitude, não pode ficar de fora.
Fonte: “Palavra Aberta”, 04/06/2020