A crise que estamos vivemos depois da greve dos caminhoneiros pode ser resumida pelo famoso ditado: “Quando a farinha é pouca, meu pirão primeiro”
Em vez de cortar na própria carne, o governo corta a carne de outros setores para manter a arrecadação. E, ao tabelar o frete, eleva brutalmente o preço da farinha para centenas de cadeias produtivas, gerando aumento generalizado de preços.
Ocorre que, com o aumento do desemprego no país, muitas pessoas acabaram levantando o FGTS para comprar um caminhão e “puxar frete”. Com isso, houve grande aumento na oferta de transporte rodoviário, principalmente a partir de um número expressivo de transportadores autônomos, que acabam se sujeitando a preços aviltantes de fretes que remuneram unicamente seus custos diretos (combustíveis, por exemplo). O que fazer, então?
Primeiro, controlar artificialmente o preço do diesel e da gasolina, como ocorreu entre 2006 e 2014, definitivamente não é solução. Precisamos, sim, de uma política transparente de formação de preço de combustíveis que mantenha a correlação com o mercado mundial, mas evite variações extremas.
Tributos sobre combustíveis —como a Cide ou o PIS-Cofins— poderiam exercer esse papel, desonerando quando o petróleo sobe demais e onerando quando ele cai. Isso atenuaria variações abruptas como estamos vendo hoje. Ademais esses mesmos impostos deveriam tratar diferencialmente combustíveis fósseis e renováveis, em favor destes, beneficiando a redução de emissões e a qualidade do ar nas grandes cidades.
Segundo, tabelar o preço dos fretes não é solução para alavancar os transportadores, pois piora a situação do resto da economia, e a renda deles por tabela, destruindo o pouco de pirão que ainda resta.
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O frete é o preço cobrado para a movimentação de um determinado bem, mas ele envolve diversas variáveis. É fato que temos o costume de estimar o valor de frete de acordo com a distância percorrida.
Entretanto, há muitos outros fatores que também impactam o valor, como o tipo e a quantidade de carga transportada, a sazonalidade da demanda por transporte, as peculiaridades regionais (na origem e/ou destino do frete), a possibilidade de carga de retorno, os custos operacionais (de acordo com o tipo de veículo utilizado), a concorrência ou complementaridade com outras modalidades de transporte, o estado de conservação das vias, a existência de pedágios e balanças, o prazo de entrega, a forma de contratação. É muito difícil, se não impossível, cruzar todas essas variáveis numa tabela de valor mínimo de fretes.
Terceiro, nos últimos 50 anos não tivemos uma agenda de Estado para infraestrutura de transportes e logística. O Brasil depende demais do transporte rodoviário, movido por combustível fóssil. O nível de investimento governamental tem sido sempre maior em rodovias, que a princípio trazem mais votos para o poder executivo em qualquer nível: municipal, estadual ou federal. Não temos um “Plano B”, ou seja, não temos alternativas abrangentes disponíveis para um país continental (ferrovias, hidrovias, dutovias) que possam complementar ou substituir a estrutura rodoviária.
No curto prazo, a única solução possível —que envolve esforços simultâneos dos setores público e privado— é a criação de novos postos de trabalho, diminuindo a oferta ociosa de transporte rodoviário dos autônomos, que têm se sujeitado a baixos valores de frete.
No longo prazo, temos de nos comprometer com uma agenda de Estado para a logística, estabelecendo metas espaciais e temporais factíveis para a construção de ferrovias e dutovias, viabilizando o transporte fluvial e por cabotagem, além de privilegiar a melhoria da qualidade das estradas.
Não existe milagre. São essas as únicas soluções possíveis para não faltar pirão.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 09/06/2018