A festança em Buriti Alegre para comemorar o retorno oficial do ex-tesoureiro do mensalão Delúbio Soares ao quadros do PT colocou o tema novamente na ordem do dia da política, para desgosto dos outros 37 réus do processo que tramita no Supremo Tribunal Federal.
Ontem, o site Congresso em Foco revelou que, no último dia 17 de abril, o procurador da República do Rio Grande do Sul, Manoel Pastana, encaminhou ao procurador-geral da República representação em que responsabiliza o ex-presidente Lula pela existência do mensalão.
Dificilmente ela será aceita, pois no processo original não existe qualquer referência a Lula, embora, na mesma situação, o ex-governador mineiro, hoje deputado federal, Eduardo Azeredo tenha sido incluído pelo próprio Supremo como coautor do chamado “mensalão mineiro”.
O que menos queriam os réus do processo era tanta marola em torno do assunto às vésperas de uma decisão. O mensalão, que deve ser julgado nos próximos meses, será, até o resultado final ser anunciado, uma fonte
de ataques oposicionistas.
A reabilitação triunfal de Delúbio Soares, sem que nada tenha acontecido que justificasse a mudança de atitude do PT, será tema de uma campanha do PSDB na próxima semana, trazendo para o presente político memórias nada agradáveis de corrupção eleitoral.
Tema incômodo que parecia esquecido, o mensalão reaparece junto com a recuperação de prestígio político de vários de seus principais protagonistas.
O então presidente do PT, José Genoino, não apenas foi nomeado assessor especial do Ministério da Defesa como condecorado pessoalmente pelo ministro Nelson Jobim, com seu peso político específico de ex-presidente do Supremo, numa simbólica absolvição pública que procura influenciar no resultado do julgamento oficial que se aproxima.
E o ex-ministro José Dirceu, considerado pelo procurador- geral da República o “chefe da quadrilha” que se organizou a partir do Palácio do Planalto, assumiu de fato o comando do partido que está no poder, indicando para presidi-lo o deputado estadual paulista Rui Falcão depois de ter ameaçado lançar-se ele próprio à disputa do cargo.
A ameaça tinha tanta probabilidade de concretizarse que o governo — leia-se a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula — preferiu aceitar seu indicado a passar o constrangimento de ter o próprio Dirceu na presidência do PT. Merval Pereira
O poder de fato, porém, está em suas mãos, e seu preposto, Rui Falcão, já anunciou que é chegado o momento de o PT ser recompensado pelo esforço que fez para a eleição de Dilma a presidente. “2010 foi o ano da Dilma, 2011 é o ano do PT”, anunciou Falcão, explicitando o que seu chefe político Dirceu já antecipara em uma palestra para sindicalistas durante a campanha presidencial: a vitória de Dilma é muito mais do PT, ao contrário da de Lula, que se deveu mais a seu carisma do que ao apoio partidário do PT.
A frase é uma redução do que realmente aconteceu, mas tem seu fundo de verdade. Lula impôs ao PT o alargamento das alianças partidárias para poder vencer a eleição presidencial em 2002 e, em vez de vices ideologicamente ligados a ele, como Mercadante ou Brizola, foi buscar no empresariado brasileiro um vice que agregasse apoios políticos.
Para eleger Dilma, essa aliança política teve que ser ampliada ainda mais, para compensar a falta de dotes populares da candidata Dilma Rousseff.
A tal ponto que o PMDB foi alçado a parceiro político primordial. A oposição, fragilizada por disputas internas e com dificuldades de criticar o governo desde a campanha presidencial do ano passado, parece cada vez com menos espaço para agir.
Ao mesmo tempo, porém, esse gigantismo governamental no Congresso dificilmente será mantido até a campanha presidencial de 2014, o que alimenta a esperança de recuperação dos partidos oposicionistas.
Da mesma maneira que se aproximou do governo com interesses imediatos, a maioria dos partidos da base aliada se afastará dele se a expectativa de poder que representa hoje a quase certeza de reeleição de Dilma se desfizer diante de problemas que afetem sua popularidade, como uma previsível crise econômica ou uma disputa de espaço político impossível de ser solucionada.
A oposição continua com a posição delicada de não poder torcer pelo pior, mas já tem espaço de ação diante da alta da inflação e da crise de gestão pública que ameaça transformar as obras necessárias para a realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olimpíadas em 2016 em focos de escândalos.
Paradoxalmente, a crise política que envolveu o PSDB e o PSD, nascido da costela do DEM em São Paulo, pode ter desatado um dos nós da sucessão tucana.
Ao ir para o PSD e ter sido exonerado da secretaria que ocupava no governo Alckmin, o vice-governador Afif Domingos deixou de ser uma opção viável para ocupar o governo caso o governador Geraldo Alckmin tentasse concorrer novamente à Presidência da República pelo PSDB.
Seria impensável deixar à frente do governo um dirigente do PSD, com Kassab candidato à sucessão de Alckmin.
O governador paulista está, portanto, preso à disputa da reeleição, deixando o caminho livre para os eternos candidatos naturais do partido, o ex-governador José Serra e o senador Aécio Neves, que hoje aparece com mais capacidade de unir apoios, não apenas internos, mas também em outras legendas.
Caberá a eles, mais uma vez, superar divergências para viabilizar uma candidatura tucana capaz de ser competitiva em 2014. Se conseguir ultrapassar desentendimentos internos na eleição da futura direção nacional, reelegendo o hoje deputado federal Sérgio Guerra com uma boa margem majoritária, o partido poderá passar a tratar de seu futuro, que hoje parece incerto.
Fonte: O Globo, 10/05/2011
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