Maria é uma linda criança que vive em uma região desfavorecida; frequenta escola pública; é filha de uma família modesta, com pais sem curso superior, porém estruturada em um lar de afeto e amor. O pai trabalha como pedreiro em uma empreiteira local; levanta todos os dias às 5 da manhã, pois precisa pegar dois ônibus para chegar ao canteiro de obras; já sua mãe é diarista, fazendo limpeza em cinco casas diferentes; embora acorde cedo como o marido, sai de casa um pouco mais tarde, após ter a tranquilidade de que a filha comeu um pãozinho ou a fruta que coube no orçamento da semana. Tudo muito simples, mas com dignidade.
Apesar da desvantagem econômica, Maria está em melhores condições emocionais que muitas crianças brasileiras: não convive com violência ou abandono parental, não sofre com o alcoolismo dos pais, nem jamais foi abusada sexualmente. O desafio de Maria, portanto, é ser pobre em um país que perpetua desigualdades por força de um sistema educacional falido, caro e ineficaz.
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Ou seja, caso tenha uma chance real em sua vida, Maria poderá dar vazão às potencialidades do seu ser, encontrar seu talento e, com trabalho sério, diário e dedicado, transcender economicamente em um ciclo virtuoso de ascensão social familiar. E o mais incrível: se tiver uma base matemática e um conhecimento intermediário de inglês, Maria estará apta a aprender as lógicas de programação e, assim, ainda muito jovem, trabalhar no aquecido mercado global da tecnologia, transformando-se na maior fonte de remuneração da casa.
Os desafios, no entanto, não são desprezíveis. Conforme minucioso estudo da OCDE – “A Broken Social Elevator?” , de 2018 –, seis em cada dez brasileiros acreditam que o esforço não é suficiente para os pobres atingirem um melhor padrão social; além disso, 55% da população acredita que educação não é uma garantia de igualdade de oportunidades entre pobres e ricos. E o mais impressionante: nossa mobilidade social intergeracional é catastrófica, pois leva-se até nove gerações para se superar, na média remuneratória, o ponto de partida da pobreza.
Em recente livro, lançado neste ano, sobre os atuais desafios político-econômicos da mobilidade social, os professores Elliot Major (da University of Exeter) e Stephen Machin (da London School of Economics) ponderam que vivemos um tempo caracterizado pela aguda queda de oportunidades e pelo aumento das divisões no tecido social. Tal sociedade dividida, além de potencializar tensões políticas, levanta o temor de que a recessão ocasionada pela Covid-19 exacerbará as desigualdades existentes, dificultando ainda mais a ascensão social dos vulneráveis.
Felizmente, vivemos um tempo de mudanças aceleradas e estruturalmente transformadoras. Todavia, se seguirmos utilizando as fórmulas erradas do passado, continuaremos a distanciar o Brasil das rotas de prosperidade e inclusão social responsável. Para invertermos a curva do atraso, precisamos da força do civismo ativo, aderente à pauta do empreendedorismo consciente, que vai além da crítica pela crítica para fazer e exaltar o exemplo das ações virtuosas, conectando tecnologia, barateando soluções de impacto, incluindo os esquecidos pela política para, ao final, mostrar que o futuro tem direção certa e está logo ali à disposição de todos.
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