A indústria nacional, como até os parafusos do ABC estão cansados de saber, atravessa um de seus períodos mais negros. Segundo dados mais recentes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o porcentual médio de utilização da capacidade instalada da indústria ficou em 76,6% em outubro, o menor nível da série em 2003. Em alguns setores da indústria, como o automotivo, a capacidade ociosa beira os 50% e as pequenas e médias empresas são as mais afetadas.
O que é péssima notícia para muitos, soou como uma oportunidade para um empreendedor. Coordenador do Grupo de Trabalho de Manufatura Avançada da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o engenheiro de materiais Bruno Gellert entende muito bem as dificuldades e usou isso para criar a Peerdustry. É uma startup que funciona como um “Uber” para a indústria e aposta na manufatura compartilhada: une, numa ponta, fábricas com máquinas paradas e, na outra, empresas que precisam de maquinário para produzir produtos específicos.
A Peerdustry começou a tomar forma quando Gellert estava cursando o MBA em Estratégia de Mercado na Fundação Getulio Vargas. Em 2015, ele e mais um sócio começaram a se dedicar à startup, que foi vencedora do hackaton (uma maratona de programação) da Fiesp, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. A companhia está incubada na Escola de Negócios do Sebrae desde abril e saiu do papel em agosto. Hoje, já conta com 130 clientes e 350 máquinas cadastradas. “Nosso trabalho é fazer casamentos de empresas. Mapeamos a indústria para verificar onde há máquinas ociosas e por meio do nosso software conseguimos encontrar empresas que precisam de horas-máquina”, diz Gellert.
As empresas se cadastram no site da Peerdustry porque perderam um contrato de fornecimento, compraram uma máquina para uma demanda pequena ou querem gerar receita com as máquinas do show room. A startup cuida de fazer o encontro com outras companhias que têm demanda sazonal de uma máquina, estão sem capital para investir, com o equipamento em manutenção ou simplesmente precisam de um lote piloto para aprovação e fazer o negócio acontecer. “Na prática, isso já era feito de forma informal. Por sete anos trabalhei em uma indústria de máquinas de Santa Catarina e visitava muitos clientes. Nessas passagens ficava sabendo das necessidades de cada um e de vez em quando conseguia ajudar nessa ponte. A ideia é formalizar isso”, diz Gellert.
A utilização de tecnologia de informação permite à Peerdustry, por meio de seu software, coordenar o trabalho de cotação de fabricação de uma peça ou processo, detalhamento técnico, negociação comercial, logística, compra de matéria-prima, acompanhamento de produção e entrega do item. Para quem contrata, é como se a fábrica estivesse na nuvem: ele faz o pedido por meio da plataforma e ele é entregue no prazo, dentro dos padrões de qualidade exigidos.
Ajudando nessa ponte, a Peerdustry gera receita nas duas pontas. “Nosso faturamento vem do serviço de consultoria, pois atuamos como uma área de vendas terceirizada. Além disso, na outra ponta, levamos serviços que até então não estavam no escopo da empresa, um faturamento extra, e ganhamos por isso”, diz o executivo.
Cerca de 20% das empresas da base de dados da Peerdustry são da cadeia automotiva. “São pequenas e médias companhias que fornecem para sistemistas e montadoras de forma indireta e estão em busca de alternativas para driblar esse cenário desafiador de queda de produção e venda de veículos”, explica Gellert.
Com esse tipo de serviço, a Peerdustry espera dobrar de tamanho em 2017 – para isso, já está conversando com investidores. O modelo da Peerdustry ainda é novidade também em mercados mais maduros. Uma das empresas similares está em Lexington, nos Estados Unidos. A Make Time foi fundada no final de 2014 e atualmente emprega 50 pessoas. A aposta é a mesma: manufatura compartilhada.
Para Gellert, com uma eventual retomada da economia do país, a ociosidade da indústria deve diminuir. Mesmo assim, isso não seria um impedimento para que o negócio continuasse a deslanchar. “Quando tudo voltar a patamares positivos, passaremos a focar no serviço de automação e aumento da competitividade. Ainda temos uma manufatura desatualizada e um longo caminho a percorrer”, afirma o empresário.
Gellert também deve se beneficiar de um fenômeno crescente na indústria mundo afora – as fabricantes ciganas. São empresas que fabricam produtos, mas não têm uma única máquina. É uma lógica de produção cada vez mais comum em mercados como o de cervejas e bebidas artesanais, cosméticos, roupas. As companhias idealizam seus produtos e terceirizam a fabricação – muitas vezes, para dezenas de fabricantes ao mesmo tempo. Dessa forma, não precisam de capacidade instalada e conseguem contratar especialistas em diferentes tipos de produtos. É um novo mundo, que se abriu para Gellert com a crise, mas que deve render muitos frutos quando a economia melhorar.
Fonte: “Exame”.
No Comment! Be the first one.