Conectar florestas à internet. Foi com esse propósito que nasceu a Treevia, integrante de uma nova geração de startups especializadas na busca de soluções digitais para o agronegócio, as “agritechs”. Desde sua criação, em 2016, a empresa vem desenvolvendo um sistema de monitoramento remoto de florestas que conta com o apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP.
Na Fase 1 do PIPE, a Treevia comprovou a viabilidade técnica do sistema batizado de SmartForest, que utiliza sensores eletrônicos capazes de monitorar o crescimento de florestas em tempo real. Agora, na Fase 2, busca o desenvolvimento pleno da tecnologia. Até o final do projeto, em 2019, os sócios da Treevia – os engenheiros florestais Esthevan Augusto Goes Gasparoto, Emily Tsiemi Shinzato e Maycow Berbert – esperam ter a solução aplicada em larga escala no setor florestal.
Esthevan Gasparoto, CEO da empresa, explica que o sistema SmartForest proporciona a coleta remota dos dados necessários à elaboração do chamado “inventário florestal”, que utiliza métodos matemáticos e estatísticos para estimar crescimento, qualidade e sanidade das florestas.
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Tradicionalmente, a coleta de medidas como diâmetro e altura das árvores é feita de maneira manual, por amostragem. Segundo Gasparoto, a mão de obra utilizada no Brasil para esse serviço costuma ter baixa qualificação técnica e alta rotatividade. A atividade é desgastante e acidentes de trabalho, como quedas ou ataques de animais peçonhentos, não são raros.
“Uma empresa de grande porte chega a ter 150 a 160 trabalhadores apenas para fazer esse monitoramento, uma vez por ano.
Numa plantação de eucalipto, cujo ciclo de corte gira em torno de seis anos, por exemplo, são realizadas em média apenas cinco coletas manuais de dados. Se automatizado o serviço, basta uma única ida ao local para a instalação dos equipamentos para que possamos coletar dados do crescimento florestal diariamente”, afirma o engenheiro.
Esthevan Gasparoto explica que a metodologia desenvolvida pela Treevia baseia-se no conceito de Internet das Coisas – IoT, da sigla em inglês – que ele, no caso, prefere chamar de “internet of trees”. “O sistema utiliza sensores sem fio que ‘abraçam’ a árvore, como um cinto. À medida que a árvore vai crescendo, o dispositivo vai alargando, captando essas mudanças de diâmetro e transmitindo essas informações para uma plataforma web”, explica o pesquisador.
Aos dados obtidos das árvores somam-se as informações extraídas das imagens de satélite. “É o casamento perfeito. O sistema combina a verdade terrestre, coletada pelos sensores IoT, com a informação de satélite, que permite o recobrimento completo da floresta, de ponta a ponta, eliminando qualquer falha do fator humano”, diz Gasparoto. Depois, todos esses dados são analisados por meio de técnicas de machine learning e big data, gerando relatórios que poderão subsidiar os gestores florestais em suas tomadas de decisão.
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Segundo o engenheiro, o sistema traz benefícios em todas as etapas do ciclo produtivo. Além da redução de custos com mão de obra, as análises geradas pelo sistema SmartForest permitem ao gestor tomar decisões de manejo mais assertivas e eficientes em curto período de tempo.
“Hoje, dentro da indústria florestal, o monitoramento do crescimento das árvores acontece, quando muito frequente, apenas uma vez ao ano. Se o crescimento estiver aquém da expectativa, o tempo ideal para intervir nessa floresta – com uma adubação, por exemplo – já pode ter se esgotado. Ou seja, essa floresta nunca mais vai atingir a sua capacidade produtiva máxima novamente”, diz o engenheiro.
Ele conta que, em análises comparativas entre diferentes áreas florestais com a mesma idade, o sistema permitiu identificar uma diferença de 23% nos ritmos de crescimento de uma área para a outra em um período de apenas um mês. Com essa informação o dono da floresta pode intervir no manejo florestal, buscando um ganho ou uma recuperação da produtividade, ou ajustar as suas expectativas de retorno econômico, para que não tenha surpresas negativas no futuro.
Novidade internacional
Para Gasparoto, o sistema de monitoramento florestal desenvolvido pela Treevia é inovador até mesmo em âmbito mundial. “A concepção e os estudos sobre a fundação da empresa começaram em 2014, enquanto a minha sócia Emily e eu estávamos realizando parte do nosso mestrado no Canadá, na UBC [University of British Columbia]. O Canadá é um dos países mais avançados e de referência na ciência florestal.
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Apesar disso, vimos que os métodos e procedimentos utilizados para a coleta de dados em campo eram os mesmos praticados aqui no Brasil – não mudaram praticamente nada nos últimos 200 anos. A partir daí, entendemos que as deficiências tecnológicas e a consequente oportunidade para inovação nessa área da ciência florestal eram globais”, afirma o pesquisador.
Em 2015, os mestrandos e futuros sócios retornaram do Canadá e, ainda sem a empresa constituída, inscreveram o projeto do SmartForest no PIPE. Nesse mesmo período, conquistaram o Prêmio Santander Empreendedorismo, concorrendo com mais de 25 mil projetos. “Conseguimos vencer o prêmio e ao mesmo tempo fomos selecionados para o PIPE. Assim começamos a empresa”, diz Gasparoto.
“No Prêmio Santander conseguimos recursos na ordem de R$100 mil que foram destinados à manutenção dos custos fixos e de operação da empresa, enquanto os recursos do PIPE (de cerca de R$ 200mil) foram destinados ao P&D e pagamento de bolsas”.
Em 2016, a empresa foi constituída formalmente, incubada na Nexus, incubadora do Parque Tecnológico de São José dos Campos e, nesse mesmo ano, seus fundadores participaram de dois programas de desenvolvimento e capacitação promovidos pela FAPESP: o 2º Programa de Treinamento de Empreendedores de Alta Tecnologia e o Leaders in Innovation Fellowships (LIF), desenvolvido em parceria com a Royal Academy e o Newton Fund.
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No ano seguinte, a empresa participou ainda de um programa de aceleração com a Samsung – o Creative Startups – e, pouco depois, teve seu projeto aprovado para a Fase 2 do PIPE.
Atualmente, a Treevia se graduou e está instalada em uma nova sede, mas procura manter contato com sua incubadora. “Passamos por dois anos de muitos aprendizados dentro da incubadora e ela também teve um papel fundamental no nosso amadurecimento. Continuamos conectados ao Parque Tecnológico de São José dos Campos, fazendo parte do ecossistema de startups e inovação do Vale do Paraíba, o ‘Parahyba Valley’”, declara o pesquisador.
O projeto da Treevia já está em fase de homologação junto com duas das maiores empresas florestais do país, onde a startup realiza provas de conceito com resultados promissores. “Conseguimos validar, por exemplo, a tensão ideal para que o sensor pudesse se fixar na árvore sem danificá-la ao longo do tempo, a durabilidade de bateria, a impermeabilidade do invólucro, precisão e resolução das coletas, etc. Com resultados preliminares de apenas alguns meses conseguimos gerar mais informação da floresta do que os métodos tradicionais gerariam ao longo de todo um ciclo de produção de aproximadamente seis anos”, afirma Gasparoto.
Ao final do projeto PIPE, o objetivo da empresa é alcançar o mercado nacional e internacional. A recente conquista de um prêmio mundial de inovação florestal dá aos sócios da Treevia a confiança de que o alcance dessa meta é possível. No final de 2017, Esthevan Gasparoto viajou à Alemanha para receber o Blue Sky Innovations Award, prêmio concedido pelo Conselho Internacional de Associações de Florestas e Papel (ICFPA, na sigla em inglês), a mais importante associação do setor florestal em todo o mundo, representando 28 países.
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”