SÃO PAULO – As finanças são a maior causa para estresse entre funcionários de empresas, superando a soma das preocupações com emprego, saúde e relacionamento, de acordo com uma pesquisa feita pela consultoria PwC neste ano. Seis em cada dez empregados com carteira assinada afirmaram que a apreensão com as contas aumentou com a pandemia.
Os reflexos são claros: dentro dessa parcela, 45% afirmam que as finanças são uma distração durante o trabalho; 57% evitaram resolver um problema médico por conta do custo; e 72% se sentiriam atraídos por uma companhia que se preocupasse mais com sua saúde financeira.
A Quansa está de olho nessas estatísticas, mas especificamente para os funcionários brasileiros. A startup chilena chegou ao país há menos de um mês, mas junto de investidores locais de peso. A startup anunciou uma rodada semente de US$ 3,6 milhões (R$ 18,6 milhões, na cotação atual).
O aporte foi liderado pelo Valor Capital Group, fundo que investiu em negócios como Loft e Gympass. A rodada também contou com fundos como Canary (Alice, EmCasa), Magma (Divibank, InEvent), Norte (Trybe, Yuca), Pear VC (EmCasa, Frubana) e Sequoia Scouts (divisão do Sequoia, que investiu em Apple e Google). Alguns investidores anjo foram Ariel Lambrecht (cofundador da 99), Mariana Dias e Bruna Guimarães (cofundadoras da Gupy) e Maurício Feldman (cofundador da Volanty).
O investimento será para a expansão brasileira. O Do Zero Ao Topo, marca de empreendedorismo do InfoMoney, conversou com os cofundadores Mafalda Barros e Gonzalo Branco sobre a criação do negócio e os planos para a Quansa no Brasil.
Saúde financeira como benefício
A Quansa foi criada pela portuguesa Mafalda Barros e pelo uruguaio Gonzalo Blanco. Mafalda é economista e trabalhou em diversas regiões da América Latina, incluindo uma temporada no estado de Minas Gerais. Ela conheceu Gonzalo em 2015, quando ambos trabalhavam para a consultoria McKinsey no Chile.
Gonzalo é engenheiro e também já havia morado no Brasil. Os dois descobriram a educação financeira como interesse comum, e participaram de um MBA na Universidade de Stanford no ano de 2019. “O curso está desenhado para criar algo que tenha grande impacto. Eu sempre fui o cara chato que avisa para as pessoas que elas continuam pagando taxas altas em grandes bancos. Gosto de ensinar como ser consciente sobre decisões financeiras pode fazer a diferença”, diz Blanco. “Terminamos o MBA com a Quansa de pé, com landing page e contato com os primeiros usuários.”
A Quansa começou a operar em setembro de 2020. Como os empreendedores moravam no Chile, o país foi o escolhido para os primeiros testes. “Era mais fácil abrir um CNPJ e enfrentar questões regulatórias como moradores de lá. O Brasil é ótimo para escalar, mas difícil para criar a testar uma solução”, diz Gonzalo.
A startup se define como uma plataforma de benefícios para a saúde financeira de trabalhadores. A Quansa cobra uma mensalidade das empresas para fornecer orientação financeira personalizada a cada funcionário CLT. “Um funcionário que tem estresse financeiro afeta o faturamento da empresa. Conversamos com a área de recursos humanos para que a empresa crie uma cultura de saúde financeira e a repasse aos funcionários”, diz Blanco.
Cada funcionário passa por um diagnóstico personalizado: enquanto um membro da empresa pode estar negativado e pagando uma dívida com altas taxas de juros, outro pode ter uma reserva de emergência e estar agora buscando investimentos rentáveis.
Cada funcionário é classificado em uma escala que vai do vermelho ao verde em termos de saúde financeira. A Quansa desenha ações para que todos os empregados eventualmente cheguem ao verde. Um exemplo é o serviço de antecipação de salário, feito com recursos da própria Quansa.
“Existem pessoas que entram em uma bola de neve de cheque especial porque não podem receber o dinheiro equivalente aos dias trabalhados de forma antecipada. Mas a empresa não pode ficar customizando sua folha de pagamentos para cada funcionário. Então oferecemos essa antecipação de forma gratuita, evitando um descasamento de prazos entre receitas e despesas dos usuários”, diz Blanco.
Outro serviço é a intermediação entre os funcionários e parceiros de empréstimo. “Não fazemos empréstimos, mas podemos indicar as melhores opções dependendo da situação do funcionário. Vale ressaltar que não ganhamos comissão sobre essas indicações”, diz Mafalda.
A Quansa se monetiza por meio de uma mensalidade cobrada das empresas. Existe um preço fixo por funcionário, não revelado pela startup. “Assim como a empresa patrocina um plano de saúde ou um aplicativo de terapia online, também oferece saúde financeira entre seus benefícios”, diz Blanco. A Quansa já tem mais de 2 mil funcionários cobertos e forneceu ou mediou R$ 5,8 milhões em emergências financeiras em sua história.
Investimento e próximos passos
A startup afirma que seu foco está quase completamente no mercado brasileiro, após a captação dos US$ 3,6 milhões. A operação nacional começou em junho deste ano. “Nosso objetivo sempre esteve no país. A gente se considera meio brasileiro, meio estrangeiro. E assim fica mais fácil de perceber o impacto da má saúde financeira nos brasileiros. É um país com uma das maiores taxas de juros do mundo, ainda que a inflação seja baixa em comparação com outros países da América Latina. Então a dor é crítica e, ao mesmo tempo, o ecossistema de inovação em serviços financeiros está maduro”, diz Blanco.
Mafalda afirma que a nova injeção de capital será usada para tecnologia. “O foco principal está em contratar desenvolvedores, com o objetivo de fazer uma melhor gestão das informações de cada funcionário. Teremos cargos para produto, como product manager e UX designers”, diz a cofundadora. A Quansa tem 10 funcionários atualmente e deve dobrar sua equipe com o aporte.
A Quansa ainda não divulga objetivos como número de empresas e funcionários atendidos no Brasil. “Estamos com menos de um mês de operação no país. A meta agora é ter o maior impacto possível na vida das empresas e dos funcionários que já conquistamos. A rodada semente vem para provar nossa hipótese, não para explodir em quantidade de clientes”, diz Blanco.
Mafalda destaca que a parceria com fundos e investidores anjos locais ajuda a concretizar os planos da startup. “Os fundos nos ajudam com contatos e experiências em estratégia de mercado. Já os anjos têm uma visão de entender o usuário e desenhar o produto perfeito para suas necessidades”, diz a cofundadora. Em médio prazo, a Quansa espera alcançar 100 mil usuários no Brasil e no Chile até o final de 2022.
“A experiência de Gonzalo e de Mafalda nos chamou a atenção desde o início. Essa trajetória e a visão que eles têm para o mercado, auxiliando os trabalhadores, nos fazem acreditar que a Quansa tem em suas mãos os ingredientes certos para auxiliar a vida financeira de milhões de pessoas em toda a América Latina”, escreveu em comunicado Marcos Toledo, sócio do Canary. “O mercado brasileiro de benefícios tem evoluído significativamente nos últimos anos. Entretanto, até agora, não houve uma solução focada na segurança financeira dos funcionários com uma visão tão completa de sua importância para promover seu bem-estar. Com as ferramentas disponibilizadas pela Quansa, as empresas podem fortalecer a resiliência financeira de seus funcionários”, completou Antoine Colaço, sócio operador da Valor Capital Group.
“Dois em cada três brasileiros começam o mês com alguma dívida, e é corriqueiro ter que decidir qual boleto vai atrasar para não sofrer corte de luz ou despejo. A ideia de empresas poderem apoiar colaboradores a ‘sair do vermelho’, seja com orientação ou remuneração flexível, foi o que mais me motivou a investir na Quansa. Acredito que serão capazes de mudar para melhor a vida dos trabalhadores brasileiros e suas famílias”, afirmou na mesma nota Ariel Lambrecht, cofundador da 99.
Fintech cresce com pagamentos sem contato
Mas a startup não é a única a oferecer saúde financeira para funcionários. Negócios como Creditas e Xerpay também a antecipação de salário para empregados com carteira assinada. As duas cobram uma taxa fixa do funcionário por saque, sem mensalidade para as empresas.
“Não consideramos como principal concorrência nenhuma das startups que existem atualmente, porque existem muitas empresas que desconhecem serviços de saúde financeira ainda. Mas nosso diferencial está no nosso modelo de monetização. Temos a proposta de que o empregador quer ser parte da mudança e oferece a saúde financeira como benefício, e assim podemos escolher a melhor solução para o funcionário independente de comissões”, diz Blanco.
Fonte: “InfoMoney”, 29/07/2021
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