Toda segunda-feira, uma reunião dá as boas vindas aos profissionais recém-chegados à plataforma da Singu, startup de serviços de beleza em domicílio. Nesses encontros, muitas histórias em comum: mulheres endividadas e sem dinheiro para comprar comida durante o mês, já que muitos salões pagam quinzenalmente. “Paguei a dívida de uma delas, mas depois tentei descobrir como a empresa podia resolver esse problema e elas pudessem receber todos os dias”, conta Tallis Gomes, fundador da startup. A solução foi criar um sistema de adiantamento de recebíveis, usado por 90% dos mais de 3 mil profissionais que prestam serviços como manicure e massagem na plataforma.
Operar serviços financeiros não é a atividade principal da Singu, mas se tornou parte da estratégia. Não é uma exceção: é crescente o número de startups que adicionam uma “roupa de fintech” (startup de serviços financeiros) a seu portfólio. É o caso da empresa de mobilidade Yellow, do serviço de entregas Rappi e da Movile, que controla a startup de delivery de comida iFood.
“É uma tendência forte, não só no Brasil”, diz Bruno Diniz, especialista em fintechs da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). De fato: Amazon e Apple entraram no setor nos últimos anos, enquanto, na China, “ter carinha de fintech” é praticamente regra entre as gigantes de tecnologia. O principal caso é o da Alibaba, que fundou a Alipay, em 2011. Rebatizada como Ant Financial, a empresa é a startup mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 150 bilhões após rodada de aportes feita em 2018.
Últimas notícias
Senado aprova texto-base da reforma administrativa
Conheça as dez carreiras mais bem remuneradas no Brasil; sete estão no setor público
No caso da Singu, o serviço é simples: hoje, os profissionais de beleza ficam com 65% do valor do serviço prestado. Se quiserem receber o pagamento no mesmo dia, porém, a fatia cai para 60%. Como muitos parceiros da startup são desbancarizados, a empresa também quer lançar serviços de crédito. “Em um ano, todos os marketplaces estarão ‘um pouco’ fintechs”, diz Gomes, pioneiro das startups no País – em 2011, ele fundou a EasyTaxi.
Feito em casa
Há motivos para que as empresas estejam de olho em serviços financeiros. O primeiro é que, com isso, elas podem ficar com uma fatia maior da receita gerada pelo serviço. Outro é que, segundo elas, desenvolver um sistema financeiro dentro de casa é mais fácil e eficiente. Além de dominar tecnologia, elas podem usar os dados que acumularam sobre os costumes de seus usuários, em vez de transferir um grande volume de informações a um terceiro.
Ao começar a operar serviços financeiros, as empresas também podem descobrir outras necessidades dos clientes. Foi o que ocorreu com o grupo Movile, cujo iFood hoje processa mais de 17,4 milhões de pedidos por mês.
No início, a empresa precisava gerar boletos no fim de cada mês para que os estabelecimentos pagassem sua comissão. “Essas necessidades nos levaram a criar serviços financeiros”, diz Thomas Barth, diretor financeiro da MovilePay – criada em janeiro. O início da operação do braço financeiro da empresa foi marcado pelo lançamento do pagamento via QR Code que, em cinco meses, acumulou 10 mil estabelecimentos – incluindo não só o iFood, mas também mercados e farmácias.
Costurando para fora
Às vezes, o “braço fintech” das startups acaba gerando até mesmo novas funções para a empresa. Foi o que ocorreu na Rappi, nascida como “delivery de qualquer coisa”. Hoje, sua divisão de pagamentos, o RappiPay, permite não só o pagamento de serviços com QR Code, mas também a transferência de dinheiro entre usuários, cada um com sua carteira digital.
Quem está um passo à frente nesse sentido é o Mercado Livre e seu braço financeiro, o MercadoPago, criado em 2007 – bem antes da palavra “fintech” existir. Sua meta era amenizar a insegurança da plataforma – seja por quem coloca um produto no correio sem garantia de pagamento ou de quem paga sem ter certeza de que receberá o que deseja.
+ Roberto Luis Troster: O multiplicador
O pulo do gato se deu quando o MercadoLivre percebeu que também podia ajudar pequenas e médias empresas a ganhar espaço. No primeiro trimestre, a ferramenta de pagamentos somou US$ 5,6 bilhões em volume total transacionado. Boa parte deles com QR Codes. “Em abril, pela primeira vez tivemos mais pagamentos via Mercado Pago fora do site que deu origem à empresa do que dentro”, diz Daniel Stephens, líder de produtos do Mercado Pago. Hoje, o negócio é composto não só por uma plataforma própria, mas também por maquininhas móveis, pagamentos com códigos QR (em mais de 50 mil postos) e sistema oferecido para outros sites de comércio eletrônico.
Os números levaram as ações da empresa subir até 22% após a divulgação do balanço, atingindo valor recorde. São exemplos que abrem espaço para uma nova batalha no mercado: a dos pagamentos móveis. As startups já estão uniformizadas – com roupa de fintech, claro.
Fonte: “Estadão”