Na era de mudanças profundas na mobilidade urbana, ganham força no Brasil as startups com soluções para o mundo automotivo. Elas oferecem tecnologias disruptivas para variados serviços que passam pelo compartilhamento de carros, facilidades na compra e venda de usados e de autopeças, desburocratização na locação, ajuda para encontrar vagas em garagens e local para caminhoneiros pernoitarem, novas formas de contrato de seguro, consórcio e até reciclagem de carros.
Estudo feito pela Liga Ventures, aceleradora especializada em gerar negócios entre startups e grandes empresas, mostra que no início de 2018 havia no País 193 autotechs, nome dado às empresas novatas que atuam em serviços ligados ao setor automobilístico. Hoje deve existir mais, mas ainda não há novo levantamento.
O sócio-diretor da Liga, Rogério Tamassia, diz que, na época do estudo, no fim de 2017, foi analisado um banco de dados com mais de 5 mil startups de todos os segmentos, número agora projetado em 13 mil. No caso das autotechs, diz ele, “a nova cultura de mobilidade vai mudar tudo, inclusive a forma de produzir o veículo, o design, a autonomia e a durabilidade”.
Responsável pela área automotiva da consultoria KPMG, Ricardo Bacellar diz que o “negócio da mobilidade é um jogo novo, um tabuleiro vazio e todo mundo está querendo se posicionar, principalmente as outsiders” – empresas de fora dos muros das montadoras, mas inseridas no universo tecnológico.
Em pesquisa feita pela KPMG e a editora Autodata com mil consumidores de todo o País, ao serem questionados sobre como prefeririam utilizar um serviço de mobilidade, 56,67% optaram pelas empresas de tecnologia, 25,8% por operadoras tradicionais e 17,53% pelas montadoras.
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Com a crescente demanda por serviços de mobilidade, há espaço para ofertas de produtos inovadores, de baixo custo e que preencham lacunas e nichos que o mercado ainda não dispunha. “Se não assistimos televisão como antigamente, não usamos banco como antigamente, não nos deslocamos pela cidade como antigamente, precisamos também questionar outras relações de negócios ainda engessadas”, ressalta Ricardo Bernardes, presidente da Onsurance. A startup oferece seguro por minuto de uso do carro.
Michele D’ippolito percebeu que muitas garagens ficam ociosas no período em que o proprietário está trabalhando fora de casa ou em fins de semana, quando viaja. “Há um ativo enorme à disposição”, diz o criador da Unpark, que conecta quem precisa estacionar à vagas com melhor custo-benefício. Confira abaixo três autotechs:
DESMANCHE OFICIAL REAPROVEITA PEÇAS
A Renova Ecopeças destruiu 10,4 mil carros nos últimos seis anos e 85% das peças retiradas tinham condições de uso e voltaram ao mercado legalmente. Itens como portas, peças plásticas e vidros foram reciclados e viraram matéria-prima.
“Praticamente só 5% de um carro é descartado”, afirma David Pereira, gerente da startup criada em 2013 “para dar destinação correta aos veículos com perda total”.
A empresa pertence à Porto Seguro, que fica com parte das peças recuperadas. Elas são usadas no conserto de veículos cujos donos optaram por uma categoria de apólice de “seguro popular”, mais barato, oferecido pela seguradora.
“Quando há perda total, damos baixa no veículo no Detran e informamos quais peças podem ser reaproveitas”, explica Pereira. O Detran envia um código para ser anexado à peça, uma espécie de selo de garantia de procedência. A partir daí, ela pode ser usada no conserto dos carros segurados pela Porto, assim como ser vendida para oficinas mecânicas e consumidores em geral por meio do site da Ecopeças.
Os galpões para desmonte dos carros instalados em vários Estados também são certificados pelo Detran. Segundo Pereira, atualmente no Brasil apenas 1,5% dos veículos retirados de circulação são reciclados, “o que mostra que há um mercado enorme a ser explorado.” A startup emprega atualmente 40 funcionários diretos.
DONO ESCOLHE QUANDO ATIVAR O SEGURO
A Onsurance opera com seguro de veículos por minuto desde abril de 2018. Tem atraído principalmente quem não participava do mercado por considerar os preços das seguradoras convencionais elevados e por não usarem o carro com frequência, às vezes só aos finais de semana.
“Pesquisas mostram que, em média, os motoristas ficam 4,5 horas na rua com o carro e no resto do dia eles ficam em garagens”, diz Ricardo Bernardes, sócio da empresa.
Um seguro na Onsurance por esse período custa de 50% a 80% menos que um convencional, afirma Bernardes. O carro recebe um dispositivo que é ligado para acionar o seguro e desligado quando o motorista não precisa mais da proteção.
O equipamento também faz rastreamento e traça um perfil comportamental do motorista, que é transmitido a uma central. “Se ele, por exemplo, respeita o limite de velocidade e não usa o celular ao dirigir, ganha pontos e o preço do seguro diminui.”
O segurado paga R$ 39,90 ao mês pelos serviços do dispositivo e os minutos de uso da proteção por meio de créditos adquiridos via celular.
Os sócios da empresa começaram a expandir o negócio para empresas e acabam de fechar contrato para seguro por demanda de uma frota de 40 mil veículos. No próximo ano a Onsurance iniciará operações nos Estados Unidos.
SITE REÚNE MAIS DE 11 MILHÕES DE PEÇAS
No mercado há seis anos, o Canal da Peça reúne banco de dados com 11,3 milhões de componentes para veículos, máquinas agrícolas e industriais disponíveis nos estoques de mais de 400 revendas de todo o País.
Vinicius Dias, um dos fundadores da startup, explica que os consumidores ou donos de oficinas podem encontrar peças com maior rapidez e melhor preço em relação a lojas convencionais. Os prazos de entrega são de no máximo sete dias, mas ele trabalha para reduzir para cinco dias.
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“Indicamos onde há disponibilidade da peça e o preço e o negócio é fechado entre as partes”, diz. A ideia é facilitar a busca, concentrada em uma única ferramenta e poupar o cliente de ter de abrir vários sites ou visitar diversas lojas, trabalho que muitas vezes leva dias para ser feito. O Canal da Peça monitora todo o processo de compra até que a encomenda seja entregue ao cliente. Se os prazos estabelecidos no momento da compra não forem cumpridos, a loja é descredenciada do site.
A startup com 120 funcionários recebeu até agora R$ 35 milhões em aportes e este ano deve gerar receita de cerca de R$ 20 milhões, o triplo de 2018.
O Canal da Peça também abriga 35 grandes fabricantes de peças que utilizam a plataforma para direcionar os consumidores às suas redes de distribuição. “Queremos chegar a 50 indústrias cadastradas até o fim do ano”, afirma Dias. A startup fica com parte do valor das peças vendidas.
Fonte: “Estadão”