O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu na noite deste domingo barrar a possibilidade de os atuais presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disputarem a reeleição na mesma legislatura. A eleição da cúpula do Congresso está marcada para 1º de fevereiro de 2021. O resultado do julgamento muda radicalmente o tabuleiro político na sucessão das duas Casas.
Ao longo dos últimos dias, o STF sofreu uma série de críticas por conta do julgamento, o que influenciou o placar final, segundo o Estadão apurou. O ex-presidente do STF Nelson Jobim, por exemplo, disse ao Estadão estar “perplexo” com a discussão. Também proliferaram críticas na classe política e no meio acadêmico.
Por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão para a reeleição de Alcolumbre. No caso de Maia, a derrota foi ainda maior, com o placar de 7 a 4. A diferença nos dois resultados se dá por conta do voto do ministro Nunes Marques. Indicado ao tribunal pelo presidente Jair Bolsonaro, Nunes Marques optou por uma solução intermediária — a favor de Alcolumbre, mas contra Maia –, alinhado aos interesses do Palácio do Planalto, que aposta na candidatura de um dos líderes do Centrão, o deputado Arthur Lira (PP-AL), para a chefia da Câmara.
Na noite deste domingo, os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e o presidente do STF, Luiz Fux, votaram contra a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado em 2021, marcando uma reviravolta no resultado final, que indicava uma tendência de vitória da tese a favor da recondução.
“A regra impede a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente a do primeiro ano da legislatura. Nesse ponto, a norma constitucional é plana: não há como se concluir pela possibilidade de recondução em eleições que ocorram no âmbito da mesma legislatura sem que se negue vigência ao texto constitucional”, escreveu Fux.
“Com efeito, não compete ao Poder Judiciário funcionar como atalho para a obtenção facilitada de providências perfeitamente alcançáveis no bojo do processo político-democrático, ainda mais quando, para tal mister, pretende-se desprestigiar a regra constitucional em vigor”, concluiu o presidente do STF.
O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, observou ser “compreensível o sentimento de que existe uma assimetria no sistema constitucional dos Poderes ao não se permitir uma recondução dos presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados”, ao contrário do presidente da República. “Entendo não ser possível a recondução de presidente de casa legislativa ao mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente, porque esse é o comando constitucional vigente”, concluiu Barroso.
A eleição para a cúpula do Congresso é a disputa política mais importante do próximo ano. Os presidentes da Câmara e do Senado comandam a agenda legislativa do País, articulam a estratégia para a aprovação de reformas prioritárias do governo e são responsáveis por controlar não apenas a abertura de CPIs, mas também o andamento de pedidos de impeachment – do presidente da República, no caso da Câmara; dos ministros do STF, no caso do Senado.
O julgamento ocorreu no plenário virtual da Corte, uma plataforma online que permite que os ministros analisem casos longe dos olhos da opinião pública – e das transmissões ao vivo da TV Justiça.
Na madrugada da última sexta-feira, o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, havia votado a favor da tese da reeleição, sendo seguido integralmente por Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski. A divergência no julgamento foi aberta pelo ministro Marco Aurélio Mello.
“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está em moda, mas não se pode colocar em plano secundário o artigo 57 da Constituição”, escreveu Marco Aurélio.
Além de Fux, Fachin, Barroso e Marco Aurélio, as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram contra dar aval às reeleições de Maia e Alcolumbre.
Ditadura. Há mais de meio século, a reeleição é proibida na cúpula do Congresso. Em 1969, o Ato Institucional número 16, editado pela ditadura militar, proibiu a recondução ao cargo dos presidentes da Câmara e do Senado. O veto foi imposto pelo regime ditatorial em uma manobra contra o então presidente da Câmara, José Bonifácio Lafayette de Andrada. Mesmo filiado ao Arena, Andrada provocou irritação em setores radicais do governo ao permitir que colegas parlamentares denunciassem da tribuna a repressão das Forças Armadas.
Antes disso, não eram incomuns a reeleição por mandatos consecutivos, como foi o caso de Ranieri Mazzilli, que comandou a Câmara por um período de sete anos (de 1958 a 1965). Arnolfo Azevedo (1921-1926), Astolfo Dutra (1915-1919) e Sabino Barroso (1909-1914) também foram reeleitos.
A Constituição de 1988, em pleno regime democrático, reforçou o veto à reeleição colocado pelos militares. “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”, diz o artigo 57 da Carta.
De lá pra cá, o Supremo flexibilizou a regra: passou a permitir a reeleição no caso de mandato-tampão e em legislaturas diferentes.
Temores. Um dos temores no STF é o de que nomes mais imprevisíveis e mais alinhados ao presidente Jair Bolsonaro assumam o comando da Câmara e do Senado, o que poderia resultar em retaliações contra o Judiciário, como a abertura da CPI da Lava Toga e até mesmo a votação de pedidos de impeachment de ministros do STF. Até agora, Alcolumbre tem resistido à pressão de senadores “lavajatistas”.
Fonte: “Estadão”, 06/12/2020
Foto: Reprodução