*Valorizar os municípios brasileiros
A vida da democracia acontece nas cidades. São pelas ruas do nosso cotidiano que encontramos os bens públicos da educação, da segurança, da saúde, do lazer e todos os demais fatores que compõem aquilo que veio se conceituar de bem-estar social. Em outras palavras, o município é a face evidente da qualidade governamental, demonstrando, ao vivo e a cores, as virtudes e os insucessos da política democrática.
Fincadas as premissas acima, fácil concluir que as cidades deveriam ser o núcleo do sistema federativo. Acontece que estamos no Brasil, um lugar em que o imperativo da razão pensante fica de joelhos a volúveis interesses do poder. Assim, em vez de privilegiarmos a realidade dos municípios, preferimos o devaneio de hipertrofiar uma ficção chamada União, que concentra recursos em Brasília para escoá-los em canais ocultos de corrupção e ineficiência pública. Sim, quase 40% das riquezas produzidas pelo trabalho honesto do cidadão e das empresas brasileiras são empacotados sob a forma de tributos, viajam até a capital federal e voltam transformadas em migalhas políticas.
Em livros como The Economy of Cities (1969) e Cities and the Wealth of Nations(1984), a inteligência crítica e ativa de Jane Jacobs apontou que o destino de uma civilização está intimamente ligado à vitalidade de suas maiores cidades. É potencializando a inata diversidade dos grandes centros urbanos que as pessoas abrem as portas da criatividade humana, inaugurando um ambiente inovador e favorável ao crescimento econômico. Logo, trazendo o argumento para o nosso chão, é possível intuir que municípios prósperos geram estados progressistas, que, somados, elevam uma grande nação.
Nesse contexto, uma reforma política eficaz passa, necessariamente, pela modificação de nosso sistema federativo, com a consequente retomada do poder econômico das cidades. Nosso atual modelo prova que a concentração fiscal na União apenas serviu para o parasitismo, compadrio e corrupção política. O municipalismo é, portanto, uma forma natural de ruptura das macroestruturas político-delitivas, aproximando a política do cidadão. E, quando as pessoas vivem diariamente a democracia, o ideal de um bom governo ganha tons de realidade.
Sem cortinas, a crise política brasileira revela que a hipertrofia do poder da União criou um gigante estatal ingovernável. Em muitas grandes cidades, como Porto Alegre e Rio de Janeiro, a situação é absolutamente dramática. E, se as capitais vão mal, não há como os estados irem bem. No final, é a nação brasileira que afunda no lodo da desonestidade pública, da incompetência política e da desesperança cívica.
Chega! Precisamos sair da apatia de nosso casulo e voltar a trabalhar, como cidadãos conscientes, pelo sucesso da democracia brasileira. Durante muitos anos, confiamos que os políticos iriam resolver nossos problemas. Não vão, pois, antes de nós, eles apenas pensam neles. Por tudo, o que muda a política é a força das pessoas, que, unidas em torno de pautas comuns, forçam o sistema estabelecido a adotar novas posturas. Ou será que parados conseguimos mover o mundo?
Fonte: O Estado de Minas, 03/11/2016.
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