O ajuste fiscal está ficando cada vez mais difícil. Em parte, porque as medidas de ajuste dos gastos com previdência e assistência enviadas ao Congresso vão sendo desidratadas pelo mundo político. Há várias ideias para aumentar receitas, mas, por enquanto, pouco de concreto. Há, ainda, forte resistência à redução das desonerações tributárias, em alguns casos perfeitamente justificada. Continuo achando que a meta de 2015 terá de ser cumprida, nem que os gastos discricionários sejam zerados na marra. Baseio-me na derrocada que virá se perdermos a classificação de “bom pagador” das agências de risco, um verdadeiro suicídio político.
Em 2016, o ajuste terá de ser ainda maior. Dada a rigidez do gasto a curto prazo, sobra o lado da receita, onde a saída é criar um mutirão pró-investimento para o PIB se recuperar e, assim, viabilizar uma maior arrecadação pela rota natural. Hoje, o crescimento do comércio mundial é baixo, o modelo pró-consumo está esgotado, e o gasto público tem de cair. Ou seja, sem maior demanda de investimento, nenhuma saída visível se apresenta.
Diante da gravidade da situação, a parte central do mutirão terá de ocorrer no âmbito privado, em que pese o ambiente desfavorável por conta de Petrobras, Lava-Jato etc. E o curioso é que nisso o sucesso depende fundamentalmente do governo, que insiste em não querer enxergar uma verdade simples. É preciso parar de buscar as menores tarifas (ou os menores retornos) imagináveis nas concessões de infraestrutura, algo que vem prejudicando consideravelmente o seu andamento no Brasil, desde 2003. Isso é o mesmo que reestatizar, embora sem dispor de recursos para tal. Se mudar essa postura equivocada para valer, boa parte dos problemas se resolve, e os investimentos decolam.
[su_quote]Sem maior demanda de investimento, nenhuma saída visível se apresenta[/su_quote]
O assunto está discutido em maior detalhe no texto que apresentarei amanhã no Fórum Nacional, do Inae, na sede do BNDES, que atualiza livro sobre transportes editado anteriormente. O tema tem igual relevância no setor de energia elétrica, cujos problemas venho também discutindo há algum tempo.
Como se fez a opção de usar o dinheiro público basicamente em gasto corrente, o correto, para a infraestrutura, é recorrer ao setor privado e lhe remunerar por uma tarifa justa, e não as menores imagináveis, já que, na área privada, o objetivo básico não é fazer filantropia. Justa é a tarifa que resulta, basicamente, da competição (no caso, em leilões de concessão de serviços públicos). Só a competição levará às tarifas de equilíbrio tais que, abaixo delas, será melhor investir noutro negócio.
Após o fracasso das concessões rodoviárias de 2007, em que predominaram os oportunistas do “pedágio a 1 Real”, que não entregaram o que deveriam, o governo acabou ajustando os critérios de pré-qualificação, para impedir que aventureiros participassem da licitação. Só que, em seguida, insistiu em lançar leilões com tarifas-teto tão baixas, que chegou a haver licitações sem interessados, sinalizando o fracasso do modelo em vigor. Com a surpresa, melhorou o ambiente para corrigir o modelo, tal que, em 2014, para encurtar a história, com novas tarifas-teto finalmente mais altas, aprovaram-se várias concessões. Ou seja, com melhores perspectivas de negócio, as empresas se dispuseram a fazer os cálculos e, para vencer os leilões, viram que era viável oferecer o serviço com menores custos. É assim que deve funcionar.
Ficou tudo resolvido, então, com a aprovação dos leilões de 2014? Infelizmente, não. Com a modicidade tarifária na cabeça, e com a ideia fixa de que há lucros excessivos nas concessões, o governo passou a tentar reduzir as rentabilidades originais ao longo da execução daqueles contratos cuja implementação mal se iniciara, em clara violação da lei, que manda preservar as condições originais dos contratos.
Proibiu a apresentação de “planos de negócios” para não ter que reconhecer explicitamente as supostamente exageradas taxas de retorno originais. E passou a exigir que os reequilíbrios de contratos por fatores extraordinários à concessão, que ocorrem o tempo todo, se dessem com base em taxas de retorno fixadas arbitrariamente e com viés de baixa. Em transportes, há uma resolução de 2013 fixando essa taxa em 6,57%. Para os aeroportos, a última taxa foi fixada em 6,81%. Ambas, se muito, estão apenas marginalmente acima da taxa Selic real, retorno facilmente obtenível com a compra de títulos públicos, que garantem liquidez e baixíssimo risco.
À medida que os investimentos crescem (ou seja, que aumentam os “custos afundados”), diminui o grau de manobra das concessionárias para reagir a esse tipo de ação oportunista do poder concedente. A única reação que resta às concessionárias sérias é se recusar a participar de novas licitações ou exigir um preço cada vez mais alto para compensar os elevados riscos envolvidos.
O novo programa de concessões, que acaba de ser anunciado, ignora essas questões e terá poucas chances de prosperar. Será, assim, um passo a mais na direção do suicídio político.
Fonte: O Globo, 11/5/2015
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