A criação do superministério da Economia — que reunirá Fazenda, Planejamento e Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) — deve permitir uma gestão mais eficiente das despesas públicas, mas vai concentrar um grande volume de decisões numa única pasta. Essa é a avaliação de especialistas, integrantes do governo Temer e até economistas que participaram da campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro, ouvidos pelo “Globo”.
De acordo com técnicos da área econômica, em alguns aspectos, faz sentido unificar áreas da Fazenda e do Planejamento. Por exemplo, ao ter em suas mãos o Tesouro Nacional (hoje na Fazenda) e a Secretaria de Orçamento Federal (SOF, hoje no Planejamento), o superministro escolhido por Bolsonaro, Paulo Guedes, poderá, por exemplo, tornar mais fácil a execução do ajuste fiscal.
Hoje as despesas federais são liberadas pelo Planejamento, mas pagas pela Fazenda, via Tesouro Nacional. Com isso, a Fazenda faz uma espécie de controle de boca do caixa para gastos que muitas vezes não estão afinados com seu objetivo fiscal, mas que já receberam sinal verde de outra pasta. O ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles chegou a propor a transferência da SOF para o Tesouro, mas a ideia não avançou.
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O PESO DO VOTO DE GUEDES
Por outro lado, no modelo atual, a pressão pela liberação de gastos também recai sobre os outros ministros. Com tudo centralizado, o foco será todo no comandante da economia. Ele também será quem vai receber as pressões do setor produtivo, que hoje são direcionadas ao Ministério da Indústria. A nova pasta vai ficar exposta a lobbies por concessão de incentivos e benefícios fiscais.
Também será preciso discutir o papel de órgãos colegiados que hoje têm a participação dos ministros da Fazenda, Planejamento e Indústria. Um exemplo é o Conselho Monetário Nacional (CMN). É nele que são tomadas decisões que afetam o dia a dia do brasileiro: das regras do cartão de crédito ao limite de uso do FGTS para a compra da casa própria. O conselho é formado por Fazenda, Planejamento e Banco Central. Guedes passaria a ter dois votos nas decisões.
A Camex, por sua vez, tem a participação de Fazenda, Planejamento e Indústria. Ou seja, a palavra de Guedes valeria por três. A Camex define políticas de ajustes em impostos de importação para estimular produtos necessários no mercado brasileiro ou proteger o mercado nacional de itens estrangeiros.
Até economistas da equipe de Guedes defendiam que o Planejamento continuasse à parte, porque a nova estrutura ficará “muito pesada”. Terá que passar a cuidar, por exemplo, de patrimônio público e de pessoal.
COMBATE AO ‘LOBBY’
Para o economista José Márcio Camargo, extinguir o Ministério da Indústria é positivo porque a pasta é “protecionista” e responde aos pedidos da indústria:
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— Ninguém consegue abrir a economia brasileira devido a esse lobby. Com a junção com a Fazenda, esse lobby pode ser combatido e diluído.
Para o pesquisador do Ibre/FGV José Roberto Afonso, a imagem de um superministro pode funcionar durante a campanha, mas, na prática, a situação é outra:
— Chamar o posto Ipiranga funciona na propaganda e no debate eleitoral, mas não funciona na hora de se governar a economia, ainda mais quando ela está em profunda crise. Num país da dimensão do Brasil, não existe um só posto, nem uma só rede. O desafio é colocar para funcionar todos os postos, de todas as redes.
Guedes terá sob sua batuta a secretaria de gestão das empresas estatais, além de ter vinculados a sua pasta os principais bancos públicos — Caixa, Banco do Brasil e BNDES. Segundo os integrantes do governo, será preciso ver como esse poder todo vai se refletir no restante do governo, especialmente na relação com as Forças Armadas.
Os militares, que serão fortes no governo Bolsonaro, devem comandar as pastas de infraestrutura, como Minas e Energia e Transportes. Assim, as maiores estatais do país — Petrobras e Eletrobras — poderiam ficar a cargo de militares. Segundo um técnico, será preciso acompanhar para ver se não haverá queda de braço.
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Para o ex-presidente do BC e sócio da Consultoria Tendências, Gustavo Loyola, o superministério pode funcionar bem se houver coordenação entre as três pastas que passarão a integrá-lo, especialmente a da Indústria:
— Tudo vai depender da gestão de Paulo Guedes.
Para Loyola, a Casa Civil poderia ganhar mais peso e até mesmo ser um contraponto ao superministério:
—Pelo que entendi, a Casa Civil não terá uma função meramente administrativa, mas também a de fazer a coordenação política do governo. Também será um superministério. Nesse sentido, a Casa Civil terá a função de viabilizar a agenda do governo no Congresso. Isso vai gerar um contraponto e discussão e, certamente, o presidente terá que arbitrar.
Perguntada sobre a criação do superministério, a diretora de Ratings Soberanos da S&P, Lisa Schineller, disse que a agência não tem visão específica sobre o formato, mas acompanhará as políticas adotadas:
— Vamos observar os resultados das iniciativas que foram tomadas. Vamos olhar o cenário completo, o que é importante para o rating — disse, em referência à nota de crédito do país.
Fonte: “O Globo”