José Roberto Batochio criticou, perante o STF, o “Judiciário que legisla”. Nesse ponto, o advogado de Lula tem razão. Na quinta (22), a Corte Suprema patinou na lama de seus próprios excessos.
A decisão prévia, de admitir a análise do habeas corpus (HC) de Lula, evidenciou que os ministros em minoria (Fachin, Barroso, Cármen Lúcia e Fux) atingiram um paroxismo populista: na prática, a posição deles equivale à abolição do instituto do HC, o pilar central do moderno direito ocidental.
Já a decisão liminar, de impedir a prisão do condenado até o julgamento do HC, adotada por 6 a 5, revela (por vias tortas) que inverteu-se a maioria favorável ao cumprimento de sentença de segunda instância. Depois de inutilizarem a bússola da Constituição, os juízes legisladores movem-se sem rumo em terra desconhecida.
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Faz tempo que o STF rasga a Constituição para ser fiel à “voz das ruas” –ou, de fato, a correntes de opinião influentes que gritam em nome do “povo”. Lá atrás, os ministros ignoraram os artigos sobre a igualdade perante a lei e o mérito no acesso ao ensino superior para “legalizar” as cotas raciais.
Depois, num crescendo, jogaram no lixo a lei do impeachment para conservar os direitos políticos de Dilma Rousseff; entregaram-se ao puro arbítrio, suspendendo mandatos parlamentares; associaram-se à operação suja de Janot na homologação do acordo de imunidade judicial para Joesley; cassaram a prerrogativa presidencial de indultar presos. No percurso, operando como sindicalistas, eternizam os ultrajantes privilégios corporativos dos companheiros juízes.
Há uma ironia notável na circunstância de que Lula esteja na alça de mira da prisão após sentença de segunda instância. O “Supremo popular” nasce do espírito de um tempo marcado pelo lulismo, que cultua a “vontade do povo” e despreza a letra da lei.
A minoria disposta a qualquer exotismo, inclusive extinguir o HC, compõe-se de ideólogos do ativismo judicial desenfreado (Barroso, Fachin) e figuras fascinadas pela luz dos holofotes (Cármen Lúcia, Fux). Mas a liberdade absoluta de legislar por meio da toga também atrai o interesse de ministros propensos a fazer agrados político-partidários (Lewandowski, Mendes). Na falta da baliza constitucional, vale tudo.
O vale-tudo judicial, porém, exigiria um Estado autoritário. Como temos uma democracia, o STF desmoraliza-se de recuo em recuo. Os ministros desistiram de suspender mandatos sem autorização parlamentar, picotaram as folhas do acordo Janot/Joesley e, um tanto ruborizados, ensaiam a valsa do arrependimento no tema da prisão após segunda instância.
“Prender Lula agora é mostrar que a lei é para todos”, escreveu o agitador de Facebook e, nas horas vagas, procurador regional Carlos Fernando Lima. Ninguém deve ser preso exemplarmente (“mostrar que a lei é para todos”). Indivíduos devem ser presos como punição por atos criminosos –e segundo a lei, que não é idêntica à vontade de petistas fanáticos, antipetistas maníacos ou procuradores missionários.
Dois anos atrás, o Supremo violou o texto explícito da Constituição para permitir a prisão antes dos recursos derradeiros. Fácil e legal seria criar varas especiais, vinculadas ao STF e ao STJ, para acelerar a análise de recursos de condenados por corrupção.
Mas uma tênue maioria de ministros preferiu ceder à “voz das ruas” –isto é, dos Carlos Fernandos que sonham com a redenção pela via do Tribunal Revolucionário jacobino. Agora, na curva sinuosa do arrependimento, por uma manobra vulgar de Cármen Lúcia, reformam a decisão original fingindo apreciar o HC de Lula.
O STF existe para, resguardando a Constituição, oferecer segurança jurídica à sociedade. Nosso STF, contudo, acostumou-se a escrever constituições informais, até se tornar uma linha de produção de insegurança. O show continua, no 4 de abril.