Vivemos uma situação surreal. Segundo o diretor geral (afastado por denúncias de corrupção, mas oficialmente de férias) do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Luiz Antonio Pagot, não há irregularidades no Ministério dos Transportes. Já o novo ministro, Paulo Sérgio Passos, assume prometendo fazer alterações no ministério para acabar com os esquemas de corrupção. E ele não apenas é do PR, que tem nos Transportes seu feudo político, como era o segundo homem do ministério desde o primeiro dia do governo Lula.
Quem acompanhou a decisão fulminante da presidente Dilma Rousseff de demitir toda a cúpula do Ministério dos Transportes, no mesmo fim de semana em que a revista “Veja” denunciou que havia um esquema de corrupção instalado no feudo do Partido da República, não tinha dúvidas de que ali tinha coisa.
Inclusive porque vários membros do Executivo afirmaram que há muito tempo a Polícia Federal e o Ministério Público investigavam o setor. (No entanto, foi preciso que a imprensa denunciasse os desvios para que providências fossem tomadas.)
Imaginou-se que as demissões fulminantes seriam o início de uma faxina naquele ministério. A decisão era coerente com as opiniões da própria presidente, que teria reclamado em uma reunião de que os preços das obras estavam “insuflados” e ameaçado se transformar em uma “babá” que acompanharia as decisões do ministério para impedir o superfaturamento das obras.
Mas, na semana seguinte, a presidente convidou para ocupar o ministério o senador Blairo Maggi, um dos caciques do PR e padrinho político do mesmo Pagot que havia sido afastado do Dnit.
Maggi, aliás, deu uma lição de moral na presidente ao recusar o convite alegando que teria “conflito de interesses”, pois tem negócios no setor. O que não o impede de apadrinhar o diretor-geral do Dnit, mas essa é apenas uma das muitas contradições dessa história.
Ontem, o próprio Maggi fez um apelo à presidente Dilma, numa espécie de fecho de ouro do depoimento chapa-branca de Pagot no Senado, para que ele seja reconduzido ao cargo, desejo que o diretor-geral do Dnit (afastado ou em férias?) já havia expressado em seu depoimento.
Disse Pagot que gostaria de realizar uma reformulação no órgão e continuar à frente dele. Reformular para quê, se está tudo bem? Ele não explicou e também não lhe foi perguntado.
Mas deixou bem clara sua situação, pelo menos do seu ponto de vista: “Eu disse ao ministro Alfredo Nascimento: ‘Do meu cargo, eu não posso ser afastado. Ou sou demitido ou continuo no cargo e vou assumir as responsabilidades que já tenho e vou continuar respondendo pelo Dnit’.”
Já o novo ministro, Paulo Sérgio Passos, que é filiado ao PR e está no ministério como secretário-executivo desde o primeiro momento da gestão de Alfredo Nascimento, anunciou que assume a pasta com a firme disposição de fazer uma reformulação geral, inclusive com demissões, para evitar que a corrupção prevaleça.
Deve estar falando com conhecimento de causa, mas também não se sabe de qualquer reação dele aos tais esquemas corruptos implantados sob o seu nariz nestes anos todos em que está no ministério, em posto- chave.
Apesar de ser filiado ao partido, o partido rejeita sua indicação, que no primeiro momento acatou. O PR está irritado com sua nomeação, e ninguém do partido apareceu em uma comemoração da base aliada em torno da ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
De duas, uma: ou a presidente Dilma agiu de maneira intempestiva, irresponsável mesmo, sem base nenhuma para demitir a cúpula do ministério, ou está sendo testada pela cúpula do PR.
Ninguém sabe o que exatamente vai acontecer, mas seria muito desmoralizante que Pagot continuasse onde sempre esteve.
O mais provável é que receba de compensação outro cargo na administração federal, mas, como vivemos tempos de surrealismo, é possível que, de volta das férias, Pagot reassuma seu posto no Dnit sem que ninguém explique nada.
Em 2005, diante de situação muito mais dramática, em meio à crise do mensalão, o presidente Lula fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV dizen do que se sentia traído pelos acontecimentos divulgados e pediu desculpas ao povo brasileiro.
A mensagem foi gravada com a presença de todos os ministros, aos quais o presidente pediu esforço redobrado para que o “Brasil continue marchando”. Consternado e com a voz embargada, o presidente disse que estava “tanto ou mais indignado” que o povo brasileiro.
Mais tarde, recuperado do susto, Lula passou a divulgar diversas versões sobre o caso, desde que fora uma mera repetição de atitude comum aos políticos brasileiros, o uso de caixa 2 nas campanhas eleitorais, até que tudo não passara de uma tentativa golpista de tirá- lo do poder.
Prometeu provar, quando saísse da Presidência da República, que o mensalão simplesmente não existiu.
Depois do parecer do procurador- geral da República, Roberto Gurgel, pedindo prisão para 36 dos envolvidos no caso, Lula calou-se, e o PT está tentando não aprovar a continuação de Rangel no cargo.
Pois, ontem, a presidente Dilma, em entrevistas no interior do Paraná, disse que “tem dias” em que fica triste, principalmente “quando acontece alguma coisa errada no governo”.
— Fico (triste). Todo mundo pode perceber que a gente, num governo, tem muitas dificuldades.
O sentido é o mesmo, certa impotência diante da realidade política, que, no entanto, ela deveria conhecer tanto quanto Lula conhecia a história pregressa do PT nas prefeituras que ocupara no interior paulista, no início da escalada do partido rumo ao poder.
Nada do esquema de cooptação de apoios e recolhimento de “recursos não contabilizados” era desconhecido de Lula, assim como a presidente Dilma, depois de comandar a Casa Civil e controlar a execução das obras do PAC, não pode alegar desconhecimento de “coisas erradas” no governo.
Fonte: O Globo, 13/07/2011
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