Segundo a mais recente pesquisa do instituto Quaest/Genial, 08 em cada 10 brasileiros concordariam com o tabelamento de preços como uma espécie de saída ou solução para a crise econômica na qual nos encontramos hoje, principalmente porque a inflação se mostra disseminada por toda a economia e não mostra sinais de queda em um curto prazo. O que se observa é muito pelo contrário, pois, com o conflito na Ucrânia e com as sanções econômicas impostas à Rússa, o preço das commodities disparou, e o efeito inflacionário agora já se encontra espalhado por todo o planeta.
Millenium Explica: por que a política de tabelar preços não é uma boa opção?
O Brasil já passou muitos anos utilizando a política do tabelamento de preços ou seu controle com objetivos hipoteticamente “sociais”. Essa ideia de que ao tabelar preços o governo está praticando uma boa ação para os mais pobres, tornando acessível a todos bens e serviços com preços populares ou dentro do orçamento das classes mais baixas, já mostrou que apresenta um prazo de durabilidade curtíssimo.
Seja na época do presidente José Sarney, em que a inflação era galopante, e as políticas eram heterodoxas ou mirabolantes e se mostravam dia e noite com a tentação de tabelar a maioria dos bens e serviços com o objetivo de conter a inércia inflacionária, seja no governo Dilma, em que o tabelamento de preços de energia elétrica se mostrou um completo desastre financeiro para as companhias, que teve como sucessão aumentos vigorosos na tarifa durante os três anos subsequentes, o que se viu foi um desastre e o sofrimento principalmente para as classes menos favorecidas. Esse foi o resultado dos tabelamentos decretados pelo governo, que obrigou as empresas a represar os custos de produção para o consumidor final, com isso gerando custos mais elevados para o futuro.
Dentro de uma economia de mercado não pode haver “canetadas” políticas, pois as empresas se organizam de acordo com as bases gerenciais de seus insumos, de seus custos de produção, e incorporam o aumento do salário mínimo, o aumento nas alíquotas de impostos, e levam em consideração sempre o preço dos concorrentes para que possam chegar a um valor que reflita necessariamente a equação: LUCRO = RECEITA – CUSTOS.
Dito isso, vale lembrar que todo insumo, todo serviço e todo produto tem seu preço, e os juros que são cobrados pelos bancos aos seus clientes funcionam da mesma maneira; ou seja, levam em conta os custos de captação, as taxas de juros locais e internacionais, a probabilidade de calotes, os impostos e outras dimensões cada vez mais complexas de um mercado financeiro. No atual cenário, o que mais impacta o Brasil e o mundo é um novo cenário, uma guerra entre nações soberanas e sanções comerciais internacionais nunca vistas antes na história da humanidade, de modo que custos, ofertas e demandas de produtos e serviços ao redor do planeta estão totalmente desalinhados. É importante lembrar que não estamos assistindo apenas a desalinhamentos econômicos das cadeias produtivas mundiais, mas sim a intervenção política de maneira incisiva dentro das economias globais.
Mais uma vez o Brasil volta a ter a ideia de praticar os tabelamentos, mesmo sabedor de que não funcionaram em nenhum lugar do mundo, e parece que parte da população se esqueceu, após 30 anos, de erros e acertos na história econômica do nosso país. Congelamento de preços nunca é e nunca será a solução; isso apenas gerará mais distorções e mais custos para o futuro. Logo explico, pois, ao tabelar os juros do cartão de crédito e do cheque especial, por exemplo, as instituições financeiras poderão unilateralmente cancelar os cartões e os limites daqueles clientes que sempre pagam com atraso ou que se mostram com um considerado risco de calote junto aos bancos.
Se analisarmos o mesmo cenário para o tabelamento de alimentos ou produtos de higiene, o que vai ocorrer de imediato é o desincentivo à produção, pois os custos vão superar os valores tabelados de venda; ou seja, vamos assistir ao desabastecimento de produtos, pois as empresas não irão querer ofertar com os preços sendo tabelados pelo governo. Em um segundo momento, iremos testemunhar o surgimento de um mercado-negro em todas as regiões do país, onde os preços reais serão aplicados, e, como a oferta será muito menor do que a demanda, os preços serão muito mais elevados do que o valor médio de antes do tabelamento. Dessa forma, a situação ficará pior para todos os agentes da economia, principalmente para os consumidores finais.
Não estou aqui apresentando uma defesa do setor bancário ou do setor industrial, mas também é preciso lembrar-se de que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que se tributa a intermediação financeira no momento da contratação; ou seja, paga-se imposto sem saber se haverá inadimplência. Além disso, os custos de produção no Brasil sempre foram altos e não será na base da canetada que tais custos irão baixar e beneficiar o consumidor.
Outro importante ponto a considerar é o Moral Hazard, ou o risco moral, que ora se apresenta no Brasil, que é a abertura da possibilidade, em um momento pós-Real, de dar-se início a políticas de tabelamento, indiscriminadamente e sem estudos, sempre que ocorram crises financeiras ou eventos emergenciais. Assim procedem como se isso fosse uma solução crível.
Apesar de uma pesquisa realizada por um importante órgão ter apontado que cerca de 80% da população brasileira concordaria com o tabelamento como uma saída para a atual situação econômica, esse de longe não seria o caminho, e podemos afirmar claramente que essa é uma resposta simples para um problema complexo que com cem por cento de certeza daria errado se fosse efetivada tal ideia. Esse é um exemplo de como algumas vezes a vontade popular não deve ser colocada à frente de algum princípio econômico ou legal que, de fato, pela lógica, possa representar um mal maior para todos.