O governo federal está planejando uma importante atualização do principal programa de transferência de renda do país. O Bolsa Família passará a se chamar Renda Brasil. Além da mudança de nome, o projeto deverá trazer uma série de alterações, como o aumento do valor do benefício, a inclusão dos trabalhadores informais e a unificação de diversos programas sociais que hoje estão separados. Para analisar os efeitos da mudança e também as políticas sociais no Brasil, o Instituto Millenium conversou com Paulo Tafner, economista que é doutor em Ciência Política e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Fipe). Ouça o podcast!
Tafner considera positiva a ideia de um programa social mais estruturado e permanente. No entanto, o especialista do Instituto Millenium alertou que é preciso analisar como esse projeto poderá ser estruturado. “A ideia de se dedicar a um programa de transferência de renda que seja mais perene e estável é positiva. Agora, há um problema que é como implementar isso e os seus impactos. Temos que evoluir ainda antes de ter um desenho totalmente acabado do que deve ser um programa dessa natureza”, lembrou.
Hoje, o Bolsa Família é o principal programa de transferência de renda mínima do Brasil. Implantado em 2003, ele consiste na junção de benefícios que já existiam, como o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Vale Gás, além do Programa Nacional de Acesso à Alimentação. Por meio de um cartão, famílias em situação de pobreza extrema (com renda entre R$ 89 e R$ 178 por pessoa) têm um valor mínimo para poder consumir e custear as despesas básicas.
Veja também
Roberto Dumas: Como será a recuperação econômica no Brasil e no mundo?
Aumento nos gastos anti-covid exigirá maior austeridade em 2021
Passados mais de 20 anos dos primeiros programas e 17 anos da unificação, é preciso atualizar o sistema, na opinião do economista. “Temos que evoluir no Bolsa Família, seja do ponto de vista do montante transferido, seja para incorporar mais brasileiros. O Cadastro Único (CadÚnico, por meio do qual os cidadãos podem receber o auxílio) tem um critério interessante, porém só pega as pessoas que efetivamente estão em situação de pobreza ou extrema pobreza. Mas essa questão não é exclusivamente de momentos. Ou seja: há muita gente que está próxima à situação de pobreza, mas que pode ir para a pobreza com muita velocidade dependendo de certos choques. A pandemia mostrou que há uma quantidade grande de pessoas que têm vulnerabilidade. Elas têm que fazer parte de um cadastro, porque a pobreza não é uma situação instantânea. Se quisermos fazer um programa de aprimoramento do Bolsa Família, temos que elencar aqueles que estão suscetíveis a entrar nessa situação”, analisou.
Tafner destacou outro ponto fundamental: é preciso ter elementos que permitam a superação total da pobreza, e não apenas medidas paliativas. Isso pode ser feito com iniciativas que aumentem o capital humano das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade. “Isso envolve integrar uma série de programas, substituir outros e focalizar segundo necessidades específicas. Uma família que tem duas crianças, sendo uma delas bem nova e outra pré-adolescente, precisa de políticas específicas para a prevenção de adesão ao crime; precisa ganhar capacidades cognitivas e não cognitivas, até socioemocionais. A transferência de renda é boa, alivia a situação; mas é preciso caminhar além disso, com a conjugação de programas que aumentem o capital humano dos indivíduos para que eles possam superar ao longo do tempo a situação de pobreza ou extrema pobreza”.
Voucher para a educação é uma das propostas
O governo federal ainda não anunciou o programa Renda Brasil em sua totalidade, mas uma das principais alterações em relação aos programas sociais já existentes que está sendo ventilada é a criação de um voucher de R$ 250 por mês para que as famílias possam colocar filhos com idade entre 0 a 4 anos em creches particulares. A proposta, que teria um custo de R$ 6 bilhões e seria possível graças à redução de gastos em outras áreas, tem por objetivo solucionar um gargalo de muitas regiões do Brasil, que é o acesso à educação infantil.
+ Reforma administrativa em pauta. Assista!
“Isso dá liberdade para os pais escolherem melhores opções de inclusão das suas crianças nas creches. É importante, eficiente e relativamente mais barata, porque não exige a instalação de criar prédios e contratar funcionários públicos. É uma boa medida, focada no resultado efetivo da política. Não importa para um pai de família se a creche é estatal ou se é uma creche privada, custeada por um voucher: o importante é que o pai ou mãe de família tenha a possibilidade de colocar o seu filho na creche”, disse Paulo Tafner.
Ainda sobre esse ponto, o economista acredita que o debate sobre políticas públicas no Brasil é poluído pela confusão entre os termos “público” e “estatal”. “Uma coisa é ser público, com um caráter de ser uma política geral para a população; e outra é ser estatal. Por exemplo: pode se ter uma saúde pública com provisão de serviços privados. O transporte público na grande maioria das cidades é assim. Você tem o serviço, até com subsídios nas passagens, mas com provisão privada. Não tem razão de misturar os dois conceitos, que são distintos”, afirmou.
Proteção social com responsabilidade fiscal
Se, por um lado, Paulo Tafner defende a ampliação do benefício e do raio de ação dos programas sociais, por outro, ele alerta para a necessidade de se ter a consciência de que será preciso cortar outros gastos, mantendo a sustentabilidade das ações desenvolvidas. “Isso envolve uma discussão muito importante: a eficiência e efetividade dos programas sociais do Brasil, muitos dos quais sem qualquer avaliação e com forte sentimento de que são inócuos, desfocados e incompatíveis com os gastos que têm”, disse.