A queda da monarquia forçou a institucionalização do Estado. A República, ao invés do caráter unipessoal do rei, escolheu a partilha do poder (executivo, legislativo e judiciário), dividindo para, ato contínuo, criar mecanismos de controle recíprocos. Após mais de um século de forte investimento na veia estatal, estamos vendo o fim de uma época. Objetivamente, as contas públicas brasileiras explodiram porque muita gente passou a viver, direta ou indiretamente, de fontes governamentais. A máquina pública ficou tão obesa que não consegue mais se movimentar, perdeu dinamismo e a própria vitalidade.
Nesse perfil doentio, qualquer problema de última hora vira uma crise política latente, forçando arbitrárias construções orçamentárias. Todavia, lances de criatividade contábil não tem o condão de mudar a natureza dos fatos. Sabidamente, a ficção pode pouco diante da força dos acontecimentos. E, assim, sem pedir licença, a realidade bate à porta, expondo as vísceras de um sistema falido, marcado pela opressão tributária e pelo endividamento oficial estratosférico.
Sim, senhoras e senhores, o Estado do século 20 morreu.
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No momento da despedida, não podemos ser injustos. Em um país que, até a década de 1950, era essencialmente agrário, só uma instituição macro como o Estado conseguiria catapultar os investimentos estruturais básicos para o surgir do mercado. Não havia condições para o impulsionamento privado. Sobre o ponto, importante lembrar que o sistema financeiro nacional foi criado em 1964 (Lei n.º 4595), enquanto o regramento das sociedades anônimas somente se materializou em 1976 (Lei n.º 6404). Ou seja, diante da aridez estrutural do setor produtivo, coube ao Estado assumir a responsabilidade de conduzir investimentos nacionais estratégicos.
A questão é que o desenvolvimento do mercado deveria gerar uma correlata diminuição do tamanho do Estado. No entanto, a reabertura democrática contraditoriamente gerou um anômalo socialismo jurídico. Sem cortinas, a partir de numerosas sinuosidades da Constituição de 1988, o orçamento público acabou sequestrado por interesses corporativo-setoriais, impedindo a construção de uma pauta pró-mercado. O tempo correu e a conta chegou. Agora, adentramos na dinâmica e versátil era tecnológica com um custo público impagável. Aliás, além do custo, herdamos uma mentalidade atrasada que faz as pessoas privilegiarem a dependência estatal ao invés da liberdade individual.
Ora, o modelo de Estado do século 21 é diametralmente oposto: ágil, informal, sem hierarquias verticais rígidas, livre de favores públicos direcionados e com radical transparência de procedimentos. Em rápida síntese, a tecnologia é a antítese da burocracia. Diante disso, o futuro está traçado: os algoritmos vão varrer os burocratas e autômatos das estruturas laborais, impondo novas lógicas e dinâmicas mais complexas num mercado de trabalho em profunda transformação. Isso significa que precisamos retreinar grande parte da população ativa brasileira, sob pena de um crescimento exponencial do desemprego, da redundância e da desigualdade social.
O desafio político atual é fazer uma transição geracional possível, abrindo canais de navegação entre direitos excessivos, obrigações desmedidas e o grande desejo cívico de fazer o Brasil uma grande nação. As dificuldades serão gigantescas, mas grandes conquistas exigem trabalho sério, superação e vontade de vencer. Felizmente, há um novo jogo na praça, trazendo consigo ventos de desenvolvimento e expectativas de mudanças virtuosas. Muitas oportunidades vão surgir; antes de temor, a hora exige coragem para fazer. Por tudo, vale a pena viver este promissor capítulo da nossa história. Com sorte, no final, talvez ainda encontremos um desconhecido: o capitalismo.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 03/12/2018