Quem gosta de inflação pode ficar sossegado, porque a festa ainda vai longe, pelo menos segundo os especialistas do setor financeiro. Os preços continuarão subindo bem acima da meta oficial de 4,5% até o fim do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, de acordo com o mercado. Em 2018 a taxa anual ainda estará colada, ou quase, em 5%. Essa projeção aparece em tabela exibida pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, a uma plateia de empresários e analistas em Nova York, na quarta-feira. As expectativas, disse ele, estão de novo convergindo para a meta. De fato, estão. A primeira barra do quadro, correspondente a 2015, passa ligeiramente de 7%. A segunda fica em cerca de 5,5% e as duas seguintes, na vizinhança de 5%. Convergem, sim, mas muito devagar. Apesar disso, dirigentes do Banco Central continuam prometendo atingir a meta no próximo ano. Os slides apresentados em Nova York terminam com a promessa de trabalho duro de preparação para 2016. O último quadro, sem tabelas ou gráficos, é uma foto de regata na Guanabara.
A exposição começou e terminou com fotos de um Brasil muito mais bonito que o do noticiário do dia a dia. As primeiras imagens apresentadas foram as de estudantes em vários tipos de escolas, acompanhadas de um gráfico sobre o aumento de alunos em faculdades, 60% entre 2006 e 2014. Nenhuma palavra, é claro, sobre a qualidade do ensino, sobre os erros de prioridades, sobre o desempenho dos brasileiros em testes internacionais, nem sobre os atrasos de pagamentos devidos a escolas, a prefeituras e a professores, noticiados nesta sexta-feira pelo Estado.
[su_quote]Talvez nem o ministro tenha uma ideia clara do tamanho dos danos causados ao país em tantos anos de irresponsabilidade[/su_quote]
Antes dos barquinhos, a plateia viu muita coisa feia, como a devastação das contas públicas nos últimos quatro anos e a crescente promiscuidade, a partir de 2008, entre o Tesouro e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Além disso, ouviu promessas de correção dos erros acumulados com teimosia e muita arrogância a partir do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Tudo foi apresentado com suficiente clareza, embora de forma diplomática. A dimensão do estrago, no entanto, foi mostrada apenas parcialmente. Talvez nem o ministro tenha uma ideia clara do tamanho dos danos causados ao país em tantos anos de irresponsabilidade, incompetência e ocupação predatória da administração federal – ministérios, órgãos subordinados e companhias estatais. Mas o auditório, tanto em Washington quanto em Nova York, estava razoavelmente informado, por exemplo, sobre a devastação da Petrobras e muito interessado nas consequências da pilhagem.
Esses efeitos já têm sido calculados por economistas do setor financeiro, muito antes de qualquer palavra do governo sobre o assunto. Segundo técnicos do Bank of America Merrill Lynch, o escândalo da Petrobras poderá custar 0,86 ponto porcentual de crescimento econômico, por causa da importância da empresa, direta e indireta, nos investimentos.
A estimativa da Capital Economics, de Londres, parece, à primeira vista, menos pessimista – uma perda de crescimento de cerca de 0,5 ponto de porcentagem, segundo informou a Agência Estado. Mas os problemas gerados pela crise da estatal poderão ir muito além dos investimentos vinculados a seus programas e do contágio financeiro de construtoras e fornecedoras de equipamentos e insumos. A Petrobras é uma das empresas mais endividadas do mundo, seu fluxo de caixa foi seriamente prejudicado nos últimos anos e já se discute, no mercado, a hipótese de um socorro financeiro bancado pelo Tesouro. Nesse caso a situação fiscal se agravará, o conserto das contas públicas ficará mais difícil e o crédito do país poderá ser afetado mais uma vez.
Esses temores surgem – e foram manifestados também por participantes dos encontros nos Estados Unidos – quando o ministro da Fazenda e seus colegas de equipe tentam reconstruir a credibilidade do governo federal, arrasada nos últimos anos, e estimular a confiança de investidores e financiadores na economia brasileira.
Não se trata de levá-los a apostar num bom desempenho em 2015. Ninguém sequer menciona essa hipótese. No mercado financeiro, a mediana das projeções indicou uma retração econômica de 0,42% na pesquisa Focus do dia 13, divulgada pelo Banco Central no começo da semana seguinte. A variação estimada para o produto industrial ficou em menos 0,43%. A inflação esperada para o ano chegou a 7,27%. Nesse caso a inflação cheia está associada em boa parte à correção de preços congelados politicamente e também aos efeitos da seca e da escassez de energia. As estimativas de produção embutem, portanto, aumentos de custos e dificuldades adicionais para a indústria e para a recuperação a partir de 2016.
Não se trata de problemas ocasionais ligados a eventos incontroláveis ou dificilmente previsíveis. O efeito inflacionário da correção de preços e o impacto sobre os custos são consequências de erros acumulados em muitos anos. Esses erros incluem as falhas na política de infraestrutura e a incompetência no acompanhamento e na coordenação de projetos. Centrais prontas para produzir energia, mas inúteis por falta de sistemas de transmissão, exemplificam essa incompetência. As obras são privadas e tocadas sob a responsabilidade de consórcios, mas são componentes de planos e programas oficiais.
É preciso levar esses dados em conta para formar uma ideia mais precisa do estrago deixado como herança para a nova equipe governamental. No caso da Petrobras, os danos vão obviamente muito além dos bilhões desviados, do endividamento, dos problemas de caixa e da perda de valor de mercado. Incluem todos esses problemas e mais os efeitos sobre muitas outras empresas e sobre o próprio governo. Ao lotear o Estado e abrir espaço para a pilhagem, os ocupantes do poder foram incompetentes até para avaliar a possível extensão dos custos de sua política. Até eles devem estar surpresos.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/02/2015
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