A percepção de que a carga tributária brasileira é estratosférica – cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) – decorre da desproporcionalidade entre a sua magnitude e o retorno à sociedade na forma de serviços públicos: o contribuinte paga muito imposto e tem pífia contrapartida na forma de educação, saúde, segurança pública, etc. A Suécia, por exemplo, tem carga tributária equivalente a 50% do PIB, mas seus cidadãos se sentem confortáveis com o peso dos impostos pois recebem contrapartida do governo.
O maior problema fiscal do Brasil é a qualidade do gasto. É de relevar, por exemplo, que quase um quinto (17%) de toda essa dinheirama arrecadada equivale às despesas do governo com o pagamento de juros, cujo retorno é zero para o contribuinte. Num condomínio, essa parcela da arrecadação seria contabilizada como “chamada extra” para pagamento de déficits pretéritos. Neste ano, os gastos com juros do setor público devem atingir cerca de R$ 230 bilhões, o equivalente a 5,6% do PIB, quase 15 vezes o que o governo deve gastar com o Programa Bolsa-Família e mais de seis vezes o valor dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De outro lado, a meta de superávit primário – a “poupança” que o governo espera obter neste ano para pagar os juros da dívida – é de R$ 118 bilhões, pouco mais da metade dos juros primários que deverão ser pagos no ano. Isso significa que a outra metade será honrada com novas emissões de títulos, que gerarão despesas adicionais com juros.
Só esse adicional de juros com os novos “papagaios” equivalerá no ano que vem a algo parecido com o gasto total com o Bolsa-Família. Cada vez que o Comitê de Política Monetária, o Copom, aumenta a taxa Selic, que corrige 35% da dívida interna em títulos do Tesouro, a necessidade de recursos para pagamento de juros aumenta. Em 2011, os juros básicos já subiram um ponto porcentual e devem aumentar ainda mais. O governo eleva a taxa de juros para conter a inflação, mas esse amargo remédio monetarista tem dois efeitos colaterais: aumenta as suas próprias despesas financeiras e atrai dólares para o mercado brasileiro, valorizando ainda mais o real, para desespero do setor produtivo, que perde competitividade para os produtores do resto do mundo, tanto no mercado internacional quanto no doméstico.
Além da elevação dos juros, a inflação ascendente também aumenta os gastos financeiros do setor público, pois cerca de 30% dos títulos da sua dívida são indexados a índices de preços. Esse fabuloso gasto com juros ocorre porque a dívida pública é muito elevada, embora sua trajetória seja cadente em relação ao PIB.
Também o processo de acumulação de reservas internacionais, hoje acima de US$ 300 bilhões, ainda que seja importante fator de confiança na capacidade de solvência do País perante o resto do mundo (graças a essas reservas o Brasil passou quase incólume pela crise econômica mundial de 2008), impõe um custo financeiro enorme ao Tesouro – vale dizer, a todos nós, contribuintes. O governo toma dinheiro emprestado a 11,75% ao ano para comprar dólares que rendem próximo de 0% ao ano. Quanto mais alta a taxa de juros, maior o custo financeiro das reservas em dólares. O Tesouro também empresta dinheiro ao BNDES à taxa de 6% ao ano, enquanto seus débitos, vinculados à taxa Selic, custam quase 12% ao ano. A diferença, obviamente, quem paga é o contribuinte.
Revolta, pois, o esbanjamento de dinheiro público cotidianamente noticiado, praticado por um governo que não consegue pagar sequer os juros de sua dívida, que devoram 17% da carga tributária. Um pouco de austeridade no gasto público permitiria mitigar essa “chamada extra”. Quando o contribuinte-eleitor se conscientizar de que é de seu bolso que sai cada centavo que o governo gasta, certamente será mais criterioso na hora de votar.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/04/2011
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